São João Crisóstomo
(345-407), Arcebispo de
Antioquia depois de Constantinopla
Antologia
1.
|
«Regozijai-vos; permanecei na alegria porque a
vossa recompensa será grande» - Homilia sobre a Segunda carta aos Coríntios
|
2.
|
«Caindo de joelhos, prostraram-se diante
d'Ele» - Homilias sobre S. Mateus
|
3.
|
«Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja» -
Homilia sobre São Pedro e Santo Elias
|
4.
|
«O poder de uma oração perseverante» -
Homilias sobre S. Mateus
|
5.
|
«A morte de João Baptista» - Homilias sobre S.
Mateus, nº 48
|
6.
|
«Aquele que der a beber, nem que seja um
simples copo de água fresca, […] não ficará sem a sua recompensa.» - Homilia
45 sobre os Actos dos Apóstolos
|
7.
|
«Estai preparados» - Homilia 77 sobre S.
Mateus
|
8.
|
«Que devo fazer para alcançar a vida eterna?»
- Homilia 63 sobre S. Mateus
|
9.
|
«A tristeza que gera a alegria» - Homilia 79
sobre São João
|
10.
|
«Entra na alegria do teu Mestre» (Mt 25,23)
|
11.
|
«O pão que Eu hei-de dar é a Minha carne, pela
vida do mundo» - Homilias sobre a 1ª Carta aos Coríntios, nº 24
|
12.
|
«Colocaram uma inscrição por sobre a sua
cabeça: 'Este é o Rei'» - Homilia sobre a Cruz e o bom ladrão, 1, 3-4
|
13.
|
«Agir como Abraão» - 36ª homilia sobre o
Génesis
|
14.
|
«Jesus poisou sobre ele o olhar e disse:
‘Chamar-te-ás Cefas, que quer dizer Pedro'» - Homilia n° 19 sobre São João
|
15.
|
«Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós
perdoamos aos nossos devedores» (Mt 6,12) - Homilias sobre S. Mateus, nº 61
|
16.
|
«Não vos esqueçais da hospitalidade» - Homilia
sobre Lázaro
|
17.
|
«Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo» - Comentário sobre S. João
|
18.
|
«Adorar o Corpo de Cristo» - Homilias sobre a
1ª carta aos Coríntios
|
19.
|
«Quem vos recebe, a mim recebe» - Homilias
sobre os Actos dos apóstolos
|
20.
|
«Beber do cálice para se sentar à direita» -
Homilias sobre Mateus, nº 65
|
21.
|
«Cairam em terra boa e deram fruto» - Homilias
sobre Mateus, 44
|
22.
|
«Tem paciência para comigo» - Homilias sobre
S. Mateus, nº 61
|
23.
|
«Logo que entrares no teu Reino» - Homilia 1
sobre a Cruz e o Ladrão
|
24.
|
«Sigamos os Magos» - Homilias sobre S. Mateus
|
25.
|
«Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: 'fica
limpo'» - Homilia sobre São Mateus
|
1. «Regozijai-vos; permanecei na alegria porque
a vossa recompensa será grande»
Homilia sobre a Segunda carta aos Coríntios
Só os cristãos estimam as coisas pelo seu
verdadeiro valor, e não têm os mesmos motivos para se regozijarem e para se
entristecerem que o resto dos homens. À vista de um atleta ferido, levando na
cabeça a coroa de vencedor, quem nunca praticou nenhum desporto considera
somente as feridas que fazem sofrer aquele homem; não imagina a felicidade que
lhe proporciona a sua recompensa. Assim fazem as pessoas de quem falamos. Eles
sabem que nós sofremos as provas, mas ignoram porque as suportamos. Eles só
consideram os nossos sofrimentos. Vêem as lutas nas quais estamos envolvidos e
os perigos que nos ameaçam. Mas as recompensas e as coroas permanecem-lhes
ocultas, não menos que a razão dos nossos combates. Como afirmas S.Paulo:
“Crêem-nos como nada tendo, e nós possuímos tudo” (2 Co 6,10) ...
Por causa dos que nos olham, quando submetidos à
prova por causa de Cristo, Suportemo-la corajosamente, mais ainda, com alegria.
Se jejuamos, espelhemos a alegria, como se estivéssemos nas delícias. Se nos
ultrajam, dancemos alegremente como se estivéssemos cumulados de elogios. Se
sofremos um mal, consideremo-lo como um ganho. Se nos dão uma prova,
persuadimos-nos de que recebemos ... Antes de tudo, lembra-te que combates pelo
Senhor Jesus. Então tu entrarás de boa vontade na luta e tu viverás sempre na alegria,
porque nada nos torna mais felizes que uma boa consciência.
* * * * *
2. «Caindo de joelhos, prostraram-se diante
d'Ele»
Homilias sobre S. Mateus
Irmãos, sigamos os Magos, deixemos os nossos
costumes pagãos. Partamos! Façamos uma longa viagem para vermos Cristo. Se os
Magos não tivessem partido para longe do seu país, não teriam visto Cristo.
Abandonemos também os interesses da terra. Enquanto estavam no seu país os
magos só viam a estrela, mas, quando deixaram a sua pátria, viram o Sol da Justiça
(Ma 3,20). Melhor dizendo: se eles não tivessem empreendido generosamente a sua
viagem, nem sequer teriam visto a estrela. Levantemo-nos pois, também nós, e
mesmo que toda a gente se espante em Jerusalém, corramos até ao local onde está
o Menino.
Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua
mãe; e, ajoelhando, prostraram-se diante dele; depois, abrindo os cofres,
ofereceram-lhe os seus presentes. «Que motivo os levou a prostrarem-se diante
desta criança? Nada de assinalável quer na virgem, quer na casa; nem um objecto
capaz de ferir o olhar e os atrair. E, contudo, não contentes de se prostrarem,
abriram os seus tesouros, presentes que não se oferecem a um homem, mas apenas
a Deus – o incenso e a mirra simbolizam a divindade. Que razão os
levou a agir dessa forma? A mesma que os decidira a abondonar a sua pátria, a
partir para essa longa viagem. Foi a estrela, quer dizer, a luz com que Deus
enchera o seu coração e que os conduzia, pouco a pouco, a um conhecimento mais
perfeito. Se não tivessem tido essa luz, como poderiam ter rendido tais
homenagens, se aquilo que viam era tão pobre e tão humilde? Se não há grandeza
material, mas apenas uma manjedoura, um estábulo, uma mãe despida de tudo,
é para que vejas mais nitidamente a sabedoria dos Magos, para que
compreendas que vieram, não até um homem, mas até um Deus, seu benfeitor
* * * * *
3. «Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja»
Homilia sobre São Pedro e Santo Elias
Pedro devia receber as chaves da Igreja, mais
ainda, as chaves dos céus, e devia ser-lhe confiada a governação de um povo
numeroso. […] Se, com a tendência que tinha para a severidade, Pedro tivesse
permanecido sem pecado, como poderia ser misericordioso com os seus discípulos?
Ora, por uma disposição da graça divina, caiu no pecado, por forma a que, tendo
tido a experiência da sua própria miséria, pudesse ser bom para com os outros.
Repara bem: quem cedeu ao pecado foi Pedro, o
chefe dos apóstolos, o fundamento sólido, a rocha indestrutível, o guia da
Igreja, o porto invencível, a torre inabalável, ele que tinha dito a Cristo:
“Mesmo que tenha de morrer contigo, não Te negarei” (Mt 26, 35); ele que, por
uma revelação divina, tinha confessado a verdade: “Tu és o Messias, o Filho de
Deus vivo.”
Ora, narra o Evangelho que, na própria noite em
que Jesus foi entregue, […] uma jovem diz a Pedro: “Também tu estavas com
aquele homem”, ao que Pedro responde: “Não conheço esse homem” (Mt 26, 69-72).
[…] Ele, a coluna, a muralha, cede perante as suspeitas de uma mulher. […]
Jesus fixou nele o olhar […], Pedro compreendeu, arrependeu-se do seu pecado e
desatou a chorar. É então que o Senhor misericordioso lhe concede o seu perdão.
[…]
Ele foi submetido ao pecado para que a
consciência da sua culpa e do perdão recebido do Senhor o levasse a perdoar aos
outros por amor. Realizava assim uma disposição providencial, conforme à
maneira divina de agir. Foi necessário que Pedro, a quem a Igreja seria
confiada, a coluna das Igrejas, a porta da fé, o médico do mundo, se mostrasse
fraco e pecador. Assim foi, na verdade, para que ele descobrisse na sua
fraqueza uma razão para exercer a bondade para com os outros homens.
* * * * *
4. «O poder de uma oração perseverante»
Homilias sobre S. Mateus
Quando seria de esperar que se afastasse
desanimada, a Cananeia aproxima-se mais e, prostrando-se aos pés de Jesus,
diz-lhe: “Senhor, socorre-me!” Mas então, mulher, não O ouviste dizer: “Fui
enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel?” Ouvi, replica ela; mas Ele é o
Senhor…
Foi por ter previsto esta resposta que Cristo
adiou a concessão do pedido. Recusou a solicitação para lhe sublinhar a
piedade. Se não quisesse conceder-lhe o que lhe pedia, não teria acabado por
fazê-lo. […] As Suas respostas não visavam magoá-la, mas atraí-la e revelar
este tesouro escondido.
Considera porém, peço-te, não apenas a fé, mas a
profunda humildade desta mulher. Jesus deu aos judeus o nome de filhos; a
Cananeia ainda lhes aumenta o título, chamando-lhes senhores, tão longe se
encontra de sofrer com o elogio de outrem: “Mas os cãezinhos comem as migalhas
que caem da boca dos seus senhores.” […] E é por isso que é admitida no número
dos filhos. Cristo diz então: “Mulher, grande é a tua fé.” Demorou-Se a
pronunciar estas palavras e a recompensar esta mulher: “Faça-se como desejas!”
Estás a ver, a Cananeia desempenha um papel importante na cura de sua filha.
Com efeito, Cristo não diz: Que a tua filha fique curada, mas antes: “Grande é
a tua fé. Faça-se como desejas!” E observa ainda o seguinte: ela conseguiu
aquilo que os apóstolos não tinham conseguido, nada tendo realizado. Tal é
poder de uma oração perseverante.
* * * * *
5. «A morte de João Baptista»
Homilias sobre S. Mateus, nº 48
"Dá-me aqui,num prato, a cabeça de João
Baptista". E Deus permitiu-o, não lançou o raio do alto dos céus para
devorar aquele rosto insolente; não ordenou à terra que se abrisse e engolisse
os convivas daquele horroroso banquete. Deus dava assim a mais bela coroa ao
justo e deixava uma magnífica consolação aos que, no futuro, viessem a ser
vítimas de semelhantes injustiças. Escutemo-lo, pois, todos nós que, apesar da
nossa vida honesta, temos de suportar os malvados... O maior dos filhos
nascidos de mulher (Lc 7,28) foi levado à morte pelo pedido de uma jovem
impudica, de uma mulher perdida; e isso por ter defendido as leis divinas. Que
estas considerações nos façam suportar corajosamente os nossos próprios
sofrimentos...
Mas repara no tom moderado do evangelista que,
na medida do possível, procura circunstâncias atenuantes para este crime. A
propósito de Herodes, ele nota que agiu "por causa do seu juramento e dos
convivas" e que "ficou entristecido"; a propósito da jovem, nota
que tinha sido "induzida pela mãe"... Também nós, não odiemos os
malvados, não critiquemos as faltas do próximo, escondamo-las tão discretamente
quanto possível; acolhamos a caridade na nossa alma. Porque, acerca desta
mulher impudica e sanguinária, o evangelista falou com toda a moderação
possível... Tu, porém, não hesitas em tratar o teu próximo com malvadez... Toda
a diferença está na maneira de agir dos santos: ele choram pelos pecadores, em
vez de os amaldiçoarem. Façamos como eles; choremos por Herodíades e pelos que
a imitam. Porque vemos hoje muitos banquetes do género do de Herodes; não se
condena à morte o Precursor mas destroem-se os membros de Cristo...
* * * * *
6. «Aquele que der a beber, nem que seja um
simples copo de água fresca, […] não ficará sem a sua recompensa.»
Homilia 45 sobre os Actos dos Apóstolos
“Era peregrino e recolhestes-Me”, diz o Senhor
(Mt 25, 35). E também: “Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais
pequeninos, a Mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 41). Dado que se trata de um crente
e de um irmão, mesmo que seja o mais pequeno, é Cristo que entra com ele. Abre
a porta de tua casa, recebe-o. “Quem recebe um profeta como profeta, terá
recompensa de profeta” […] Eis os sentimentos com que devemos receber os
peregrinos: atenção, alegria, generosidade. O peregrino mostra-se sempre tímido
e envergonhado. Se o anfitrião o não recebe com alegria, retira-se e sente-se
desprezado, porque é pior ser recebido dessa maneira do que não o ser de todo.
Tem, pois, uma casa onde Cristo encontre a sua
morada. Diz: “Eis o quarto de Cristo. Eis a morada que Lhe está reservada.”
Mesmo que seja muito simples, Ele não a desdenhará. Cristo está nu, é
peregrino; basta-lhe um tecto. Dá-lhe pelo menos isso; não sejas cruel e
inumano. Tu, que tanto ardor demonstras pelos bens materiais, não permaneças
frio diante das riquezas do espírito. […] Tens onde guardar o carro onde te
deslocas, não terás lugar para Cristo vagabundo? Abraão recebia os estrangeiros
onde habitava (Gen 18). Sua mulher tratava-os como se fosse serva deles e eles
os seus senhores. Nem um nem outro sabiam que estavam a receber Cristo, que
acolhiam anjos. Se o soubessem, ter-se-iam despojado de tudo. Nós, que sabemos
reconhecer Cristo, demos provas de uma atenção ainda maior do que eles, que
estavam convencidos de que apenas recebiam três homens.
* * * * *
7. «Estai preparados»
Homilia 77 sobre S. Mateus
«O Filho do Homem virá numa hora em que não
pensais». Jesus diz-lhes isto para que os discípulos fiquem de vigília, para
que estejam sempre preparados. Se lhes diz que virá quando menos O esperam, é
porque quer levá-los a praticar a virtude com zelo e sem descanso. È como se
lhes dissesse: «Se as pessoas soubessem quando vão morrer, estariam
perfeitamente preparadas para esse dia». Mas o momento final da nossa vida é um
segredo que escapa a cada homem.
Eis por que o Senhor exige duas qualidades ao
seu servo: que seja fiel, para que não atribua a si mesmo nada do que pertence
ao seu Mestre, e que seja avisado, para convenientemente administrar tudo o que
lhe foi confiado. São-nos pois necessárias duas qualidades para ficarmos
preparados para a chegada do Mestre. Porque é isto o que acontece pelo facto de
não sabermos qual o dia do nosso encontro com Ele: dizemos para connosco: «O
meu Senhor tarda em chegar». O servo fiel e avisado não tem tal pensamento. Ó
infeliz, por pensares que o teu Mestre se demora, imaginas então que ele não
há-de vir? A sua vinda é certa. Porque não estás vigilante à sua espera? Não, o
Senhor não está demorado: esse atraso só existe na imaginação do mau servo.
* * * * *
8. «Que devo fazer para alcançar a vida eterna?»
Homilia 63 sobre S. Mateus
Não era um interesse medíocre o deste jovem; ele
manifesta-se como um apaixonado. Enquanto os outros homens de aproximavam de
Cristo para o pôr à prova ou para lhe falar das suas doenças, das dos seus
parentes ou ainda de outras pessoas, ele aproxima-se para conversar acerca da
vida eterna. O terreno era rico e fértil, mas estava cheio de espinhos prontos
a abafar as sementes (Mt 13,7). Vê como ele está realmente disposto a obedecer
aos mandamentos: "Que devo fazer para ter como herança a vida eterna?"...
Nunca nenhum Fariseu manifestou tais sentimentos; pelo contrário, eles estavam
furiosos por serem reduzidos ao silêncio. O nosso jovem, quanto a ele, partiu
com os olhos baixos de tristeza, sinal bem claro de que não tinha vindo com más
intenções. Somente, ele era demasiado fraco; tinha o desejo da Vida mas
retinha-o uma paixão muito difícil de ultrapassar...
"Se queres ser perfeito, vai, vende os teus
bens, distribui o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem
e segue-me... Ao ouvir estas palavras, o jovem afastou-se pesaroso". O
evangelista explica qual é a causa daquela tristeza: é porque ele "tinha
muitos bens". Os que têm pouco e os que estão mergulhados na abundância
não possuem os seus bens da mesma maneira. Nestes, a avareza pode ser uma
paixão violenta, tirânica. Neles, cada nova aquisição acende uma chama mais
viva e os que são atingidos ficam mais pobres do que antes. Têm mais desejos e,
contudo, sentem com mais força a sua pretensa indigência. Em todo o caso, vê
como aqui a paixão mostrou a sua força... "Como será difícil aos que
possuem riquezas entrar no reino dos Céus!" Não que Cristo condene as
riquezas mas antes os que são dominados por elas.
* * * * *
9. «A tristeza que gera a alegria»
Homilia 79 sobre São João
Depois de ter derramado a alegria na alma dos
seus discípulos pela promessa que lhes fez de lhes enviar o Espírito Santo, o
Salvador entristece-os de novo ao dizer: "Mais um pouco e não me vereis
mais". Age desta forma para os preparar, através desta linguagem triste e
severa, para a ideia da sua próxima separação; porque nada é mais próprio para
acalmar a alma mergulhada na tristeza e na aflição do que o pensamento
frequente nos motivos que produziram nela essa tristeza.
Eles não compreendiam, quer por causa da tristeza
que os impedia de pensar no que Ele lhes dizia, quer por causa da obscuridade
das próprias palavras que pareciam conter duas coisas contraditórias, mas que,
na realidade não o eram. Porque, se Te vemos, podiam eles dizer, como te vais
embora? E, se te vais embora, como Te poderemos ver?
Nosso Senhor, querendo depois mostar-lhes que a
tristeza gera alegria e, ainda, que aquela tristeza seria curta ao passo que a
sua alegria não terá fim, toma a comparação da mulher que dá à luz. Com tal
comparação, Ele quer também exprimir, de um modo figurado, que Ele se libertou
dos constrangimentos da morte e que, assim, regenerou o homem novo. E não diz
que não haverá tribulação mas que não se lembrarão dela, tão grande vai ser a
alegria que lhe sucederá.
* * * * *
10. «Entra na alegria do teu Mestre» (Mt 25,23)
Homilia atribuida a S. João Crisóstomo da
Liturgia Ortodoxa da Páscoa
Que todo o homem piedoso e amigo de Deus goze
esta bela e luminosa festa! Que todo o servo fiel entre com júbilo na alegria
do seu Senhor! (Mt 25,23) O que carregou o peso do jejum venha agora receber a
sua recompensa. O que trabalhou desde a primeira hora receba hoje o seu justo
salário (Mt 20,1s). O que chegou depois de passada a terceira hora celebre esta
festa na acção de graças. O que chegou depois da sexta hora não tenha receio,
não ficará prejudicado. Se alguém tardou até à nona hora, aproxime-se sem
hesitar. Se houver quem se atrasou até à décima primeira hora, não tenha medo
da sua perguiça porque o Mestre é generoso e recebe o último como ao
primeiro..., exerce misericórdia sobre aquele mas cumula este. Dá a um e
agracia o outro...
Assim, pois, entrai todos na alegria do vosso
Mestre! Primeiros e últimos..., ricos e pobres..., os que vigiaram e os que se
deixaram dormir..., vós que jejuastes e vós que não jejuastes, alegrai-vos
hoje! O festim está pronto, vinde todos (Mt 22,4)! O vitelo gordo está servido,
que ninguém se vá embora com fome. Saciai-vos todos no banquete da fé, vinde
servir-vos do tesouro da misericórdia. Que ninguém lamente a sua pobreza,
porque o Reino chegou para todos; que ninguém chore as suas faltas, porque o
perdão brotou do túmulo; que ninguém receie a morte, porque a morte do Salvador
dela nos libertou. Aquele que a morte tinha agarrado destruiu-a, aquele que
desceu aos infernos despojou-os...
Isaías tinha-o predito ao dizer: "O inferno
ficou consternado quando te encontrou" (14,9). O inferno ficou cheio de
amargor... porque foi arruinado; humilhado, porque foi entregue à morte;
esmagado, porque foi aniquilado. Apoderou-se de um corpo e viu-se diante de
Deus; agarrou-se à terra e encontrou o céu; apropriou-se do que via e foi
derrotado por causa do Invisível. "Ó morte, onde está o teu aguilhão?
Inferno, onde está a tua vitória?" (1 Co 15,55). Cristo ressuscitou e
foste arruinado! Cristo ressuscitou e os demónios foram precipitados! Cristo
ressuscitou e os anjos estão em júbilo! Cristo ressuscitou e já não há mortos
nos túmulos porque Cristo, ressuscitado dos mortos, tornou-se as primícias dos
que tinham adormecido. A Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos!
Amen.
* * * * *
11. «O pão que Eu hei-de dar é a Minha carne,
pela vida do mundo»
Homilias sobre a 1ª Carta aos Coríntios, nº 24
“Nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo,
porque todos participamos do mesmo pão” (1 Cor 10, 17). O que é o pão que
comemos? O Corpo de Cristo. Em que se transformam os comungantes? No Corpo de
Cristo, não numa multidão, mas num único Corpo. Assim como o pão, constituído
por muitos grãos de trigo, é um único pão no qual desaparecem os grãos, assim
como os grãos subsistem nele, sendo contudo impossível detectar o que os
distingue em massa tão bem ligada, assim também nós, juntos e com Cristo,
formamos um todo. Com efeito, não é de um corpo que se alimenta determinado
membro, alimentando-se outro membro de outro corpo. É o mesmo Corpo que a todos
alimenta. E é por isso que o apóstolo Paulo salienta que “todos participamos do
mesmo pão”.
Pois bem, se participamos todos do mesmo pão, se
nos tornamos todos esse mesmo Cristo, por que não demonstramos a mesma
caridade? […] Era o que acontecia no tempo dos nossos pais: “A multidão dos que
haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma” (Act 4, 32). Mas tal
não acontece no presente; pelo contrário. E, contudo, homem, Cristo veio
procurar-te, a ti que estavas tão longe dele, para se unir a ti. E tu não
queres unir-te a teu irmão? […]
Com efeito, Ele não se limitou a dar o seu
corpo; mas, porque a primeira carne, tirada da terra, estava morta pelo pecado,
introduziu nela, por assim dizer, outro fermento, a sua própria carne, da mesma
natureza que a nossa mas isenta de todo o pecado, cheia de vida. O Senhor
distribuiu-a por todos a fim de que, alimentados por esta carne nova, possamos,
em comunhão uns com os outros, entrar na vida imortal.
* * * * *
12. «Colocaram uma inscrição por sobre a sua
cabeça:
'Este é o Rei'»
'Este é o Rei'»
Homilia sobre a Cruz e o bom ladrão, 1, 3-4
«Senhor, lembra-te de mim quando vieres
inaugurar o teu reino». O ladrão não ousou fazer esta prece sem antes, pela
confissão, se ter libertado do fardo dos pecados. Vê bem, cristão, a força da
confissão. Ele confessou os pecados e o paraíso abriu-se-lhe; confessou os
pecados e ganhou confiança bastante para pedir o reino dos céus, depois de
tantos roubos cometidos…
Queres conhecer o Reino? Que vês portanto aqui
que se lhe assemelhe? Tens debaixo dos olhos os pregos e uma cruz, mas essa
cruz, dizia Jesus, é o próprio sinal do Reino. E eu, ao vê-Lo na cruz,
proclamo-O Rei. Não é próprio de um rei morrer pelos seus súbditos? Ele próprio
o disse: «O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (Jo 10, 11). Isto é
igualmente verdade para um bom rei: também ele dá a vida pelos seus súbditos.
Proclamá-Lo-ei portanto Rei por causa da dávida que fez da sua vida: «Senhor,
lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino».
Compreendes agora que a cruz é o sinal do Reino?
Eis outra prova. Cristo não deixou a sua cruz na terra, ergueu-a e levou-a com
Ele para o céu. Sabemo-lo porque Ele a terá junto de Si quando voltar pleno de
glória. Para perceberes o quanto esta cruz é digna de veneração, repara em como
Ele a tomou como um título de glória […], Quando o Filho do homem vier, «o sol
escurecerá e a lua perderá o brilho». Reinará então uma claridade tão viva que
até os astros mais brilhantes se eclipsarão. «As estrelas cairão do
céu. Aparecerá então no céu o sinal do Filho do homem» (Mt 24,29ss).
Vês bem a força do sinal da cruz? […] Quando um rei entra numa cidade, os
soldados pegam nos estandartes, içam-nos aos ombros e marcham à sua frente para
anunciar a chegada régia. De igual modo, legiões de anjos precederão a Cristo,
quando Ele descer do céu. Trarão aos ombros esse sinal anunciador da vinda do
nosso Rei.
* * * * *
13. «Agir como Abraão»
36ª homilia sobre o Génesis
Olhando para a promessa de Deus e deixando de
lado qualquer perspectiva humana, sabendo que Deus é capaz de obras que
ultrapassam a natureza, Abraão confiou nas palavras que lhe tinham sido
dirigidas, não guardou nenhuma dúvida no seu espírito e não hesitou sobre o
sentido que devia dar às palavras de Deus. Porque é próprio da fé confiar no
poder daquele que nos fez uma promessa... Deus tinha prometido a Abraão que
dele nasceria uma descendência incontável. Esta promessa ultrapassava as
possibilidades da natureza e as perspectivas puramente humanas; por isso é que
a fé que ele tinha em Deus "lhe foi contada como justiça" (Gn 15,6;
Ga ,6).
Pois bem, se formos vigilantes, veremos que nos
foram feitas promessas ainda mais maravilhosas e seremos compensados muito mais
do que pode sonhar o pensamento humano. Para isso, temos apenas que confiar no
poder daquele que nos fez essas prmessas, a fim de merecermos a justificação
que vem da fé e de obtermos os bens prometidos. Porque todos esses bens que
esperamos ultrapassam toda a concepção humana e todo o pensamento, de tal forma
é magnífico o que nos foi prometido!
Com efeito, essas promessas não dizem respeito
apenas ao presente, à realização plena das nossas vidas e ao gozo dos bens
visíveis, mas dizem também respeito ao tempo em que tivermos deixado esta
terra, quando os nossos corpos tiverem sido sujeitos à corrupção, quando os
nossos restos mortais forem reduzidos a pó. Então Deus promete-nos que nos
ressuscitará e nos estabelecerá numa glória magnífica; "porque é preciso,
assegura-nos S. Paulo, que o nosso ser corruptível revista a
incorruptibilidade, que o nosso ser mortal revista a imortalidade" (1 Co
15,53). Além disso, depois da ressurreição dos nossos corpos, recebemos a
promessa de gozarmos do Reino e de beneficiarmos durante séculos sem fim, na
companhia dos santos, desses bens inefáveis que "os olhos do homem não
viram, que o seu ouvido não ouviu e que o seu coração é incapaz de sondar"
(1 Co 2,9). Vês a superabundância das promessas? Vês a grandeza destes dons?
* * * * *
14. «Jesus poisou sobre ele o olhar e disse:
‘Chamar-te-ás Cefas, que quer dizer Pedro'»
‘Chamar-te-ás Cefas, que quer dizer Pedro'»
Homilia n° 19 sobre São João
“Tu és Simão, filho de Jonas; chamar-te-ás
Cefas, que quer dizer Pedro” […] Eis o nome que Cristo dá a Simão. A Tiago e a
seu irmão chamar-lhes-á “filhos do trovão” (Mc 3, 17). A que se devem estas
mudanças de nome? Servem para mostrar que Ele, Jesus, é o mesmo que havia
estabelecido a antiga aliança, que tinha mudado o nome de Abrão, que passou a
ser Abraão, e o de Sarai, que passou a chamar-se Sara, e o de Jacob, que passou
a ser Israel (Gen 17, 5 ss; 32, 29). E que também dera o nome a vários, aquando
do seu nascimento: a Isaac, a Sansão, aos filhos de Isaías e de Oseias. […]
Nós temos um nome muito superior a todos os
outros: o nome de “cristãos” – o nome que faz de nós filhos de Deus, amigos de
Deus, um mesmo corpo com Ele. Haverá nome que possa tornar-nos mais fervorosos
na virtude, encher-nos de maior zelo, levar-nos a fazer o bem? Evitemos, pois,
fazer alguma coisa que seja indigna deste nome tão grande e tão belo, derivado
do nome do próprio Jesus Cristo. Quantos ostentam o nome de um grande chefe
militar ou de alguma personagem ilustre consideram-se honrados por esse facto e
tudo fazem para ser dignos dele. Quanto mais nós, que não tiramos o nosso nome
de um general nem de um príncipe desta terra, nem sequer de um anjo, mas do Rei
dos anjos, quanto mais nós devemos estar dispostos a tudo perder, incluindo a
própria vida, em honra deste santo nome!
* * * * *
15. «Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como
nós perdoamos aos nossos devedores» (Mt 6,12)
Homilias sobre S. Mateus, nº 61
Cristo pede-nos portanto duas coisas: que
condenemos os nossos pecados, que perdoemos os dos outros; que façamos a
primeira coisa por causa da segunda, a qual nos será então mais fácil, pois
aquele que pensa nos seus próprios pecados será menos severo para com o seu
companheiro de miséria. E devemos perdoar não por palavras apenas, mas «do fundo
do coração», para que contra nós não se vire o ferro com que pensamos bater nos
outros. Que mal te pode fazer o teu inimigo, que seja comparável àquele que a
ti próprio fazes? […] Se te deixas chegar à indignação e à cólera, serás ferido
não pela injúria que ele fez contra ti, mas por esse teu ressentimento.
Portanto não digas: «Ele ultrajou-me,
caluniou-me, fez-me coisas miseráveis.» Quanto mais disseres que te fez mal,
mais mostras, afinal, que te fez bem, pois deu-te ocasião para te purificares
dos pecados. Assim, quanto mais ele te ofender, mais te põe em estado de
obteres de Deus o perdão para as tuas faltas. Porque, se nós quisermos, ninguém
nos poderá prejudicar; e até os nossos inimigos nos prestarão assim um grande
serviço […] Considera portanto a vantagem que retiras das injúrias, se as
sofreres com humildade e mansidão.
* * * * *
16. «Não vos esqueçais da hospitalidade»
Homilia sobre Lázaro
A propósito desta parábola, convém perguntarmos
a nós próprios por que motivo o rico vê Lázaro no seio de Abraão e não em
companhia de outro justo. É que Abraão foi hospitaleiro. Aparece, pois, ao lado
de Lázaro, para acusar o rico de não ter sido hospitaleiro. Com efeito, o
patriarca procurava reter os mais simples transeuntes, dando-lhes acesso à sua
tenda (Gn 18, 1ss.). O rico, pelo contrário, apenas mostrara desdém por aquele
que vivia diante de sua casa. Ora, tratava-se de um homem que, dispondo de
tanto dinheiro, podia dar segurança ao pobre. Mas continuou a ignorá-lo, dia
após dia, não lhe proporcionando a ajuda de que ele tinha necessidade.
O patriarca não agiu desta forma, bem pelo
contrário! Sentado à entrada da tenda, estendia a mão a quantos passavam, qual
pescador que lança a rede ao mar para apanhar o peixe, apanhando muitas vezes
também ouro e pedras preciosas. Assim, apanhando os homens na sua rede,
aconteceu a Abraão apanhar também anjos, e – coisa espantosa! – sem disso se
precaver.
O próprio Paulo se mostra espantado, tendo-nos
deixado a seguinte exortação: “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque, por
ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos” (Heb 13, 2). E Paulo tem razão em
dizer “sem o saberem”. Se Abraão tivesse sabido que aqueles que acolhia com
tanta benevolência eram anjos, nada teria feito de extraordinário ou de
admirável em assim os acolher. Se recebe este elogio é, pois, porque ignorava a
identidade daquelas personagens. Com efeito, tomou por homens vulgares estes
viajantes que tão generosamente convidou para sua casa. Também tu sabes
mostrar-te apressado em receber uma personagem célebre, mas tal não é motivo de
espanto. […] Em contrapartida, é realmente admirável reservar um acolhimento
cheio de bondade à gente normal que não conhecemos.
* * * * *
17. «Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo»
Comentário sobre S. João
"Eis o Cordeiro de Deus!", diz João
Baptista. Jesus Cristo não fala; é João quem diz tudo. O Esposo costuma agir
assim; começa por não dizer nada à Esposa mas apresenta-se e fica em silêncio.
Outros o anunciam e lhe apresentam a Esposa; quando ela aparece, o Esposo não a
toma ele mesmo mas recebe-a das mãos de outro. Depois de assim a ter recebido
de outro, prende-se a ela com tanta força que ela já nem se lembra daqueles que
deixou para o seguir.
É o que se passa com Jesus Cristo. Veio para desposar
a Igreja; ele mesmo nada disse, apenas se apresentou. Foi João, o amigo do
Esposo, que pôs na sua mão a mão da Esposa - por outras palavras, o coração dos
homens que ele tinha convencido com a sua pregação. Então, Jesus recebeu-os e
cumulou-os com tantos bens que eles já não voltaram a quem os tinha trazido...
Só João, o amigo do Esposo, esteve presente naquelas núpcias. Nessa altura, foi
ele quem tudo fez; lançando os olhos sobre Jesus que se aproximava, disse:
"Eis o Cordeir o de Deus!" Mostrava assim que não era só pela voz mas
com os olhos que dava testemunho de Esposo. Admirava Cristo e, ao contemplá-lo,
o coração estremecia-lhe de alegria. Já não prega, apenas o admira ali presente
e dá a conhecer o dom que Jesus veio trazer. E ensina a prepararmo-nos para o
receber. "Eis o Cordeiro de Deus!" É ele, diz, quem tira o pecado do
mundo. Fá-lo sem cessar; oferece uma só vez o seu sacrifício pelos pecados do
mundo e este sacrifício tem um efeito perpétuo.
* * * * *
18. «Adorar o Corpo de Cristo»
Homilias sobre a 1ª carta aos Coríntios
Cristo, para nos levar a amá-lo mais, deu-nos a
sua carne como alimento. Vamos, pois, até ele com muito amor e devoção... Este
corpo é o que os magos adoraram quando estava deitado numa mangedoura. Esses
pagãos, esses estrangeiros deixaram a sua pátria e a sua casa, empreenderam uma
longa viagem para o adorarem com temor e tremor. Imitemos ao menos esses
estrangeiros, nós que somos cidadãos dos céus...
Vós mesmos já não o vedes numa mangedoura mas
sobre o altar. Já não vedes uma mulher que o segura nos braços, mas o sacerdote
que o oferece e o Espírito Santo que, com toda a sua generosidade, paira por
cima das oferendas. Não só vedes o mesmo corpo que viram os magos mas, além
disso, conheceis o seu poder e a sua sabedoria, e não ingorais nada do que ele
realizou, após toda a iniciação aos mistérios que vos foi minuciosamente
facultada. Acordemos, pois, e despertemos em nós o temor de Deus. Mostremos
muito mais piedade para com o Corpo de Cristo do que aqueles estrangeiros
manifestaram...
Esta mesa fortalece a nossa alma, congrega o
nosso pensamento, suporta a nossa confiança; ela é a nossa esperança, a nossa
salvação, a nossa luz, a nossa vida. Se deixarmos a terra munidos com este
sacramento, entraremos mais confiantes nos átrios sagrados... Mas para quê
falar do futuro? Já neste mundo, o sacramento transforma a terra em céu. Abri,
pois, as portas do céu..., vereis então o que vos acabo de dizer. O que há de
mais precioso no céu, vo-lo mostrarei sobre a terra. O que vos mostro não são
anjos, nem arcanjos, nem os céus dos céus, mais aquele que é o Senhor deles
todos.
* * * * *
19. «Quem vos recebe, a mim recebe»
Homilias sobre os Actos dos apóstolos
"Quem recebe um destes pequeninos, é a mim
que recebe" diz o Senhor (Lc 10,48). Quanto mais esse irmão é pequeno,
tanto mais Cristo está presente. Porque, quando recebemos uma grande
personalidade, fazemo-lo muitas vezes por vanglória; mas aquele que recebe um
pequenino, fá-lo com uma intenção pura e por Cristo. "Eu era um
estragneiro, diz ele, e vós acolhestes-me". E ainda: "Cada vez que o
tiverdes feito a um destes pequeninos, foi a mim que o fizestes" (Mt 25,
35-40). Uma vez que se trata de um crente e de um irmão, ainda que seja o mais
pequeno, é Cristo que entra com ele. Abre a tua casa, recebe-o.
"Quem receber um profeta na sua qualidade
de profeta, receberá uma recompensa de profeta". Por isso, quem receber
Cristo receberá a recompensa da hospitalidade de Cristo. Não duvides das suas
palavras, confia nelas. Ele mesmo o disse: "Neles, sou eu que estou
presente". E, para que não duvides, ele decreta o castigo para os que o
não receberem e as honras para os que o receberem (Mt 25, 31s). Não o faria se
não fosse particularmente tocado pela honra e pelo desprezo. "Recebeste-me
na tua morada, diz ele; receber-te-ei no Reino de meu Pai. Livraste-me da fome;
livrar-te-ei dos teus pecados. Viste-me prisioneiro; far-te-ei ver a tua
libertação. Viste-me estrangeiro; farei de ti um cidadão dos céus. Deste-me
pão; dar-te-ei o Reino como tua herança e propriedade plena. Ajudaste-me em
segredo; proclamá-lo-ei publicamente e direi que tu és meu benfeitor e eu teu
devedor".
* * * * *
20. «Beber do cálice para se sentar à direita»
Homilias sobre Mateus, nº 65
Por intermédio de sua mãe, os filhos de Zebedeu
pedem ao mestre, na presença dos seus colegas: "Ordena que nos sentemos um
à tua direita e outro à tua esquerda" (cf. Mc 10,35)... Cristo apressa-se
a tirá-los das suas ilusões, dizendo-lhes que devem estar prontos a sofrer
injúrias, perseguições e até a morte: "Não sabeis o que pedis. Podeis
beber do cálice que eu vou beber?" Que ninguém se espante ao ver os
apóstolos com disposições tão imperfeitas. Espera que o mistério da cruz esteja
realizado, que a força do Espírito Santo lhes seja comunicada. Se queres ver a
força da sua alma, olha-os mais tarde e vê-los-ás superiores a todas as
fraquezas humanas. Cristo não lhes esconde as fraquezas, para que tu vejas tudo
o que se tornarão depois, pelo poder da graça que os transformará...
"Não sabeis o que pedis." Não sabeis
como é grande essa honra, como isso é prodigioso! Estar sentados à minha
direita? Isso ultrapassa mesmo os poderes angélicos! "Podeis beber do
cálice que eu vou beber?" Falais-me de tronos e de diademas
insignificantes; eu falo-vos de combates e de sofrimentos. Não é agora que
receberei a minha realeza; não chegou ainda a hora da glória. Para mim e para
os meus, trata-se para já do tempo da violência, dos combates e dos perigos.
Nota bem que ele não lhes pergunta directamente:
"Tereis coragem para derramar o vosso sangue?" Para os encorajar,
propõe-lhes que partilhem o seu próprio cálice, que vivam em comunhão com
ele... Mais tarde, verás esse mesmo S. João, que neste momento procura o
primeiro lugar, ceder sempre a presidência a S. Pedro... Quanto a Tiago, o seu
apostolado não durou muito. Ardente de fervor, desprezando inteiramente os
interesses puramente humanos, mereceu pelo seu zelo ser o primeiro mártir entre
os apóstolos (Act 12,2).
* * * * *
21. «Cairam em terra boa e deram fruto»
Homilias sobre Mateus, 44
"Saíu o semeador para semear". Donde é
que ele saíu, aquele que está presente em toda a parte, que enche todo o
universo? Como saíu ele? Não materialmente, mas por uma disposição da sua
providência a nosso respeito: aproximou-se de nós revestindo-se da nossa carne.
Uma vez que não podíamos ir até ele, porque os nossos pecados impediam o
acesso, foi ele que veio até nós. E porque é que saíu? Para destruir a terra
onde abundavam os espinhos? Para castigar os cultivadores? De modo nenhum. Veio
cultivar essa terra, ocupar-se dela e nela semear a palavra da santidade.
Porque a semente de que fala é, na verdade, a sua doutrina; o campo é a alma do
homem; o semeador é ele próprio...
Teríamos razão em censurar um cultivador que
semeasse com tanta abundância... Mas, quando se trata de coisas da alma, a
pedra pode ser transformada em terra fértil, o caminho pode não ser pisado por
todos os transeuntes e tornar-se um campo fecundo, os espinhos podem ser
arrancados e permitir aos grãos que cresçam com toda a tranquilidade. Se isso
não fosse possível, ele não teria lançado a semente. E, se a transformação não
se realizou, não é por culpa do semeador, mas daqueles que não quiseram
deixar-se transformar. O semeador fez o seu trabalho. Se a semente se perdeu, o
autor de tão grande benefício disso não é responsável.
Nota bem que há várias maneiras de perder a
semente... Uma coisa é deixar a semente da palavra de Deus secar sem
tribulações e sem cuidado, outra é vê-la sucumbir sob o choque das tentações...
Para que não nos aconteça nada de semelhante, gravemos a palavra na nossa
memória, com ardor e seriedade. Por muito que o diabo arranque à nossa volta,
teremos força suficiente para que ele não arranque nada dentro de nós.
* * * * *
22. «Tem paciência para comigo»
Homilias sobre S. Mateus, nº 61
Cristo pede-nos portanto duas coisas: condenar
os nossos pecados e perdoar os dos outros, fazer a primeira coisa por causa da
segunda, que será então mais fácil, pois aquele que pensa nos seus pecados será
menos severo para com o seu companheiro de miséria. E perdoar não só de boca,
mas do fundo do coração, para não virar contra nós próprios o ferro com que
julgamos atingir os outros. Que mal pode fazer-te o teu inimigo, que seja
comparável ao que tu fazes a ti próprio com a tua aspereza?
Considera pois quantas vantagens retiras duma
injúria humildemente sofrida e com doçura. Tu mereces assim, em primeiro lugar
- e é o mais importante – o perdão dos teus pecados. Exercitas-te, depois, na
paciência e na coragem. Em terceiro lugar, adquires a doçura e a caridade, pois
aquele que é incapaz de se zangar com os que lhe causaram desgosto, será ainda
muito mais caridoso para com aqueles que o amam. Em quarto lugar, desenraízas
inteiramente a cólera do teu coração, o que é um bem sem igual. Aquele que
liberta a sua alma da cólera, desembaraça-a também, evidentemente, da triteza:
não gastará a sua vida em desgostos e vãs inquietudes. Assim, punimo-nos a nós
mesmos ao odiarmos os outros; fazemos bem a nós mesmos ao amá-los. Desse modo
todos te venerarão, mesmo os teus inimigos, ainda que sejam demónios. Melhor
ainda, não terás mais inimigos, comportando-te assim.
* * * * *
23. «Logo que entrares no teu Reino»
Homilia 1 sobre a Cruz e o Ladrão
O paraíso fechado desde há milhares de anos, foi-nos
«hoje» aberto pela Cruz. Pois foi hoje que o Senhor lá introduziu o ladrão.
Realiza assim duas maravilhas: abre o paraíso e deixa lá entrar um ladrão. Hoje
Deus devolveu-nos a nossa velha pátria, hoje reconduziu-nos à cidade paterna,
hoje abriu a Sua casa à humanidade no seu todo. «Hoje, diz Ele, estarás comigo
no paraíso». Que dizes Tu, Senhor? Estás crucificado, pregado com pregos, e
prometes o paraíso? – Sim, para que aprendas qual é o meu poder sobre a cruz.
É que não foi ressuscitando um morto, dominando
o mar e o vento, expulsando demônios, mas sim crucificado, pregado com pregos,
coberto de insultos, de escarros, de troça e de ultrajes que conseguiu
modificar o mau estado de espírito do ladrão, para que possas ver os dois
aspectos do poder. Ele abalou toda a criação, fendeu os rochedos e atraiu a
alma do ladrão, mais dura do que a pedra...
Certamente que nenhum rei consentiria a um
ladrão ou a qualquer outro de seus súbditos que se sentasse com ele, ao entrar
numa cidade. Mas Cristo fê-lo: quando entra na Sua santa pátria, leva consigo
um ladrão. Agindo deste modo, não menospreza o paraíso, não o desonra pela
presença de um ladrão; bem pelo contrário, honra o paraíso, pois é uma glória
para o para o paraíso ter um dono que consegue tornar um ladrão digno das
delícias que aí se saboreiam. De igual modo, quando introduz os publicanos e as
prostitutas no Reino dos Céus, não é para desrespeito deste, mas sim para sua
honra, pois mostra que o dono do Reino dos Céus é suficientemente forte para
tornar prostitutas e publicanos estimáveis ao ponto de serem dignos de uma tal
honra e de um tal dom.
* * * * *
24. «Sigamos os Magos»
Homilias sobre S. Mateus
Ergamo-nos, a exemplo dos Magos. Deixemos todos
se perturbarem, mas corramos nós até onde mora o Menino. Que os reis ou os
povos, que tiranos cruéis se esforcem por nos barrar o caminho, pouco importa,
não abrandemos o nosso ardor. Afastemos todos os males que nos ameaçam. Se não
tivessem visto o Menino, , os Magos não teriam escapado ao perigo que corriam
da parte do rei Herodes. Antes de terem a felicidade de O contemplar, eles
estavam sitiados pelo medo, rodeados de perigos, mergulhados na perturbação; depois
que O adoraram, a calma e a segurança voltaram às suas almas...
Deixai então, também vós, uma cidade em
desordem, um déspota sedento de sangue, todas as riquezas do mundo, e vinda a
Belém, à casa do pão espiritual. Sois pastores: vinde apenas e vereis o Menino
na manjedoura.
Sois reis: se não vindes, a vossa púrpura não
vos servirá de nada. Sois magos: isso não é impedimento, desde que venhais
mostrar o vosso respeito e não esmagar a vossos pés o Filho de Deus, desde que
vos aproximeis com temor e alegria, duas coisas que não são incompatíveis...
Quando nos prosternarmos, deixemos escapar tudo
das nossas mãos. Se tivermos ouro, demo-lo sem reservas e não o escondamos...
Houve estrangeiros que empreenderam uma viagem tão longa só para contemplar
este recém-nascido: que razão tendes vós para desculpar a vossa conduta, vós
que vos recusais a dar alguns passos para visitar o doente ou o prisioneiro?
Eles oferecem ouro:
mas vós, é com tanta dificuldades que dais pão! Eles viram uma estrela e o seu coração ficou cheio de alegria; vós vedes Cristo numa terra estranha, sem roupa, e não vos emocionais?
mas vós, é com tanta dificuldades que dais pão! Eles viram uma estrela e o seu coração ficou cheio de alegria; vós vedes Cristo numa terra estranha, sem roupa, e não vos emocionais?
* * * * *
25. «Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse:
'fica limpo'»
Homilia sobre São Mateus
Jesus não diz simplesmente: «Quero, sê curado».
Mas ainda mais: «Estendeu a mão e tocou-o». É isto o que chama a atenção. Já
que o curava por um ato da sua vontade e com uma palavra, porque lhe tocou com
a mão? Não por outro motivo, parece-me, senão para mostrar que Ele não é
inferior mas superior à Lei, e que doravante nada é impuro para quem é puro...
A mão de Jesus não ficou impura pelo contacto com o leproso; pelo contrário, o
corpo do leproso foi purificado pela santidade dessa mãos. É que Cristo veio
não só curar os corpos, mas elevar as almas à santidade; ensina-nos aqui a ter
cuidado com a nossa alma, a purificá-la, sem nos preocuparmos das abluções
exteriores. A única lepra a temer é a da alma, isto é, o pecado...
Quanto a nós, demos continuamente graças a Deus.
Agradeçamos-Lhe não só pelos bens que nos deu, mas ainda pelos que concede aos
outros: poderemos, deste modo, destruir a inveja, manter e aumentar o nosso
amor ao próximo.
Fonte: Evangelho Cotidiano| Ecclesia
Nenhum comentário:
Postar um comentário