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Nossa Senhora Aparecida: Histórico
Dom Estevão Bettencourt,
OSB | Fonte: Editora Cléofas
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Imagem: Dhavid Normando |
Em síntese: Em 1717 três pescadores, após
frustrada tentativa de apanhar peixes no rio Paraíba do Sul perto de
Guaratinguetá (SP), colheram em suas redes o corpo de uma estátua de Maria SS.
e, depois, a cabeça da mesma. A este fato se seguiu farta pescaria, que
surpreendeu os três homens. Tendo limpado e recomposto a imagem, expuseram-na à
veneração dos fiéis em casas de família. Verificaram-se, porém, alguns
portentos, que chamaram a atenção do Pe. José Alves Vilela, pároco de
Guaratinguetá. Este então decidiu construir para a Santa Mãe uma capela capaz
de satisfazer ao crescente número de devotos da Virgem. Tal capela foi
substituída por outra maior no morro dos Coqueiros em 1745, morro que tomou o
nome de “Aparecida” (hoje cidade de Aparecida do Norte). Em 1846 foi iniciada a
construção de templo mais vasto, que ainda hoje subsiste. No ano de 1980 foi
concluída monumental basílica, alvo de peregrinações numerosas durante o ano
inteiro. Em 1930 o Brasil foi solenemente consagrado a Nossa Senhora Aparecida
pelo Cardeal D. Sebastião Leme na presença do Sr. Presidente da República e de
numerosas autoridades religiosas, civis e militares.
Os acontecimentos de fins de 1995 chamaram a
atenção para Maria Santíssima tal como é venerada em Aparecida do Norte (SP) e
no Brasil inteiro na qualidade de Padroeira do nosso país. Sabe-se que tal devoção
se deve a uma pesca surpreendente cercada de fatos extraordinárias, que
suscitaram a piedade dos fiéis da região de Guaratinguetá e, posteriormente, a
da população de todo o Brasil. Em 1930 a Virgem Santíssima foi proclamada
Padroeira do Brasil sob o título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (ou
Nossa Senhora Imaculada em sua Conceição e Aparecida nas águas do rio Paraíba
do Sul).¹
Já que versões diversas correm sobre o
desenrolar dessas aparições e os atos subsequentes, apresentaremos, a seguir, a
genuína história dos eventos registrados.
1.
Aparição e as primeiras manifestações populares (1717-1745)
Como se deu a manifestação de Nossa Senhora
Aparecida?
Eis o que relatam os documentos históricos:
Em princípios do séc. XVIII lutas, por vezes
sangrentas, agitavam os exploradores dos veios de ouro em Minas Gerais.
Em março de 1717, embarcou em Lisboa, com
destino ao Rio, Dom Pedro de Almeida e Portugal, Conde de Assumar, que vinha
substituir Dom Braz Balthasar da Silveira no governo da Capitania de São Paulo
e Minas.
Chegando ao Rio em junho de 1717, o Conde de
Assumar mostrou-se logo interessado em conhecer a situação da sua capitania.
Seguiu, pois, em agosto para São Paulo, sede do governo respectivo, do qual
tomou posse aos 4 de setembro do mesmo ano. Em vista, porém, dos tumultos
registrados em Minas por motivo das minas de ouro. Dom Pedro de Almeida e
Portugal resolveu dirigir-se ao local das desordens. Partiu, portanto, de São
Paulo aos 25 ou 26 de setembro de 1717, deixando como substituto nessa cidade
Manoel Bueno da Fonseca, oficial de grande patente.
Após cerca de 17 dias de viagem, isto é, aos 11
ou 12 de outubro de 1717, chegava o Conde de Assumar, com sua comitiva, à
região de Guaratinguetá. Entre os acontecimentos faustosos que então se deram
relatam os manuscritos da época o seguinte:
“A Câmara da Vila notificou então os pescadores
que apresentassem todo o peixe que pudessem haver para o dito governador.
Entre muitos, foram pescar em suas canoas
Domingos Martins Garcia, João Alves e Felipe Pedroso e, principiando a lançar
suas redes no porto de José Corrêa leite, continuaram até o porto de Itaguassú,
distância bastante, sem tirar peixe algum. E lançando neste porto João Alves a
sua rede, de rasto tirou o corpo da Senhora, sem cabeça, e, lançando mais
abaixo outra vez a rede, tirou a cabeça de mesma Senhora, não se sabendo nunca
quem ali a lançasse.
E, continuando a pescaria, não tendo até então
peixe algum, dali por diante foi tão copiosa em poucos lances que, receosos de
naufragarem pelo muito peixe que tinham nas canoas, ele e os companheiros se
retiraram a suas moradas, admirados deste sucesso” (cf. Marcondes Homem de
Mello, Álbum da Coroação. Brasílio Machado, A Basílica de Aparecida).
Eis o que referem os documentos mais antigos em
torno do aparecimento da Virgem.
A título de ilustração, pode-se acrescentar que
o porto de José Corrêa Leite, donde partiram os três mencionados pescadores, se
achava à margem esquerda do rio Paraíba no bairro Tetequera (município de
Pindamonhangaba). A imagem encontrada media 38 cm de altura e apresentava cor
bronzeada.
Impressionados pelo fenômeno, principalmente
pela pesca portentosa que se seguiu à descoberta da estátua, os três
mencionados pescadores limparam com grande cuidado a imagem, e verificaram que
representava Nossa Senhora da Conceição, que o povo sem demora passou a chamar
“Senhora Aparecida”. Felipe Pedroso conservou a imagem em sua casa durante
vários anos; por fim, resolveu dá-la a seu filho Atanásio, que morava em
Itaguassú, porto onde se dera o encontro da estátua. Atanásio, movido então
pela sua fé, ergueu um pequeno oratório, onde depositou a venerável efígie; aí começou
o povo da vizinhança a reunir-se aos sábados à noite, a fim de rezar o santo
rosário e praticar as suas devoções.
Certa vez, durante uma dessas práticas aconteceu
que, embora a noite estivesse muito calma, de repente se apagaram as velas que
alumiavam a imagem da Senhora. Os fiéis, querendo reacendê-las, verificaram com
surpresa que elas por si, sem intervenção de alguém, se reacenderam.
Foi este o primeiro prodígio registrado em torno
da Senhora Aparecida. O mesmo portento se repetiu em outras ocasiões, chegando
a notícia ao conhecimento do pároco de Guaratinguetá, Pe. José Alves Vilela. O
sacerdote decidiu então construir para a estátua uma capelinha mais ampla,
capaz de satisfazer ao crescente número dos devotos da Virgem, a qual ia
multiplicando graças a benefícios sobre os fiéis. Em breve, também essa
capelinha se tornou pequena demais. Foi preciso pensar em nova construção em
lugar mais elevado que a margem do rio. Escolhido o morro dos Coqueiros, o mais
vistoso e acessível dos que margeiam o Paraíba, começou-se ali em 1743 a
edificação de novo santuário, com a provisão do bispo do Rio de Janeiro, Dom
Frei João da Cruz; aos 26 de julho de 1745, a obra terminada foi devidamente
benta, dando lugar à celebração da primeira Missa. Doravante o morro e suas
cercanias tomaram o nome de “Aparecida”, designação até hoje conservada.
“Aparecida do Norte” é designação popular, pois a cidade fica a sudeste do
Estado de São Paulo.
Entre os milagres que muito provocavam o fervor
do povo, conta-se o do escravo, ocorrido por volta de 1790 e famoso nos tempos
subseqüentes. Segundo a versão mais abalizada, as correntes se soltaram das
mãos do escravo, quando este implorava a proteção de Nossa Senhora Aparecida
diante da respectiva imagem. Eis como o refere o Pe. Claro Francisco de
Vasconcelos pelo ano de 1838:
“Um escravo fugitivo, que estava sendo conduzido
de volta à fazenda pelo seu patrão, ao passar pela Capela, pediu para fazer
oração diante da Imagem. Enquanto o escravo estava em oração, caiu
repentinamente a corrente, deixando intato o colar que prendia seu pescoço. A
corrente se encontra até hoje pendente da parede do mesmo Santuário como
testemunho e lembrança de que Maria Santíssima tem suprema autoridade para
desatar as prisões dos pecadores arrependidos. Aquele senhor, tocado pelo
milagre, ofereceu a Nossa Senhora o preço dele e o levou para casa com uma
pessoa livre, a fim de amar e estimar aquele seu escravo como pessoa protegida
pela soberana Mãe de Deus” (relato extraído da obra de Júlio J. Brustoloni, A
Mensagem da Senhora Aparecida, Ed. Santuário, Aparecida, SP, 1994).
2. De 1745
aos nossos dias: A Dedicação do Brasil à Virgem SS.
A nova igreja foi diversas vezes reformada e
aumentada, até que em 1846 foi iniciada a construção de um templo ainda mais
vasto. Os trabalhos, porém, diversas vezes interrompidos, só chegaram a termo
em 1888; aos 8 de dezembro desse ano, Dom Lino Deodato de Carvalho, oitavo
bispo de São Paulo, procedeu à bênção do novo santuário, que até nossos dias
subsiste em Aparecida, ornado com o título de “Basílica Menor”, título
concedido por S. Pio X aos 29 de abril de 1908.
Para atender aos numerosos grupos de peregrinos
que afluíam ao local, o mesmo prelado obteve a vinda dos RR. PP. Redentoristas,
os quais desde 1894 têm a seus cuidados o santuário e a respectiva cura
pastoral.
Aos 8 de setembro de 1904, realizou-se a solene
coroação de Nossa Senhora Aparecida, com a participação do Sr. Núncio
Apostólico Dom Júlio Tonti, do representante do Presidente da república, do
Episcopado do Brasil Meridional e de grande multidão de sacerdotes e fiéis.
Finalmente, o S. Padre Pio XI houve por bem
acolher o pedido da hierarquia e dos fiéis, que desejavam fosse Nossa Senhora
Aparecida proclamada Padroeira principal de todo o Brasil. Aos 16 de julho de
1930 publicava S. Santidade o seguinte “Motu proprio”:
“…Por conhecimento certo e madura reflexão
Nossa, na plenitude de Nosso poder apostólico, pelo teor das presentes letras,
constituímos e declaramos a mui Bem-aventurada Virgem Maria concebida sem
mancha, sob o título de “Aparecida”, Padroeira principal de todo o Brasil
diante de Deus. Este padroado gozará dos privilégios litúrgicos e das outras
honras que costumam competir aos Padroeiros principais de lugares ou regiões.
Concedendo isto para promover o bem espiritual dos fiéis no Brasil e aumentar
cada vez mais a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus, decretamos que cada vez
mais a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus, decretamos que as presentes letras
estejam e permaneçam sempre firmes, válidas e eficazes, surtindo seus plenos e
inteiros efeitos”.
Este decreto pontifício foi publicado na
Basílica de Nossa Senhora Aparecida, fazendo-se a consagração do Brasil à
Virgem Ssma., com grande júbilo dos fiéis.
No ano seguinte, o mesmo ato se repetiu em
termos mais solenes na capital da República. A imagem da Virgem foi, sim,
entusiasticamente levada de Aparecida para o Rio de Janeiro, onde percorreu em
procissão o centro da cidade aos 31 de maio de 1931. Finalmente na Esplanada do
Castelo, em presença do Sr. Presidente da república, de altas autoridades civis
e militares, de numerosas divisões das Forças Armadas, do Episcopado Brasileiro
e de enorme multidão de fiéis, o Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro proferiu o
ato de consagração de todo o Brasil a Nossa Senhora Aparecida, recomendando à
Excelsa Padroeira todos os interesses e as necessidades da pátria.
Este ato, que mereceu os aplausos da opinião
pública em geral, estava bem na linha de venerável tradição da nação
brasileira, a qual sempre mostrou especial devoção à Virgem Imaculada. Entre
outros fatos expressivos dessa estima, pode-se notar que, ao proclamar a
independência do Brasil, D. Pedro I, o primeiro Imperador, confirmando aliás
antiga provisão de Sua Majestade o rei de Portugal do ano de 1646, declarou a
Virgem da Conceição Padroeira do Brasil.
Numerosos são os relatos de milagres que tanto a
imprensa como a voz do povo atribuem à Virgem Aparecida. As autoridades
eclesiásticas não se empenham por definir a autenticidade de tais portentos,
nem mesmo a dos episódios concernentes à aparição da Senhora Imaculada no porto
de Itaguassú em 1717. Doutro lado, não vêem razão para se opor à devoção de
Nossa Senhora Aparecida: ao contrário, esta tem produzido os melhores frutos,
espirituais e corporais, no povo brasileiro. É por isto que os Srs. Bispos têm
mesmo patrocinado e fomentado a piedade para com a Excelsa Padroeira do Brasil.
Contudo, a bem da verdade, deve-se notar que tal atitude favorável é
independente de qualquer pronunciamento da autoridade eclesiástica sobre a
genuinidade dos prodígios que se narram em torno da Virgem e do Santuário de
Aparecida.
A Santa Igreja de modo nenhum entende fazer de
tais relatos matéria de fé; deixa, antes, a cada um de seus filhos a liberdade
de ponderar o grau de autoridade que merecem os respectivos documentos (o que
de resto não desmerece o valor de autenticidade que realmente possa caber a
tais episódios).
A presença do sobrenatural em Aparecida exigiu
que se empreendesse a construção de nova e mais vasta Basílica. Esta, iniciada
em 1955 sob os auspícios do Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta,
estava concluída, com todas as suas capelas e quatro naves, em 1980. A área
construída é de 23.000 m² e a área coberta mede 18.000 m². A lotação normal é
de 45.000 pessoas, podendo a lotação máxima chegar a 70.000 pessoas. Até hoje
são relatados milagres e favores de ordem física obtidos por intercessão de
Nossa Senhora Aparecida em seu Santuário; todavia o que mais importa aí, são os
numerosos casos de conversão espiritual e reencontro da paz interior alcançada
pelo patrocínio de Maria SSma.
O fato de que a imagem da Senhora Aparecida tem
a cor preta, tem sido objeto de comentários… Na verdade, o fenômeno se explica
bem pela longa permanência da estátua dentro da água do rio. Na época da
descoberta o fato não deve ter tido a repercussão e importância que hoje lhe querem
atribuir.
A propósito recomenda-se a leitura do livro do
Pe. Júlio J. Brustoloni: A Mensagem da Senhora Aparecida, Ed. Santuário, Rua
Padre Claro Monteiro, 342, Aparecida (SP), 1994.
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1. O título “Nossa Senhora Aparecida” designa a
Santíssima Mãe de Deus tal como ela apareceu na localidade do Estado de São
Paulo que hoje traz o nome de “Aparecida do Norte” (nas proximidades de
Pindamonhangaba e Guaratinguetá). Lá Nossa Senhora se manifestou com as notas
que, na arte sacra, a caracterizam como imaculada em sua conceição; daí
dizer-se comumente “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”. – A mesma Virgem
Ssma., tendo-se manifestado em Fátima, é chamada “Nossa Senhora de Fátima”;
tendo aparecido em Lourdes, é dita “Nossa Senhora de Lourdes”, etc. Tais
denominações não supõem diversas “Nossas Senhoras”, mas significam sempre a
mesma Santa (“Santa Maria, Mãe de Deus …”), apenas invocada sob títulos
diferentes.
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Dom Estevão Bettencourt, OSB
Nº 405 – Ano 1996 – p. 72
Fonte:
Dom Estevão Bettencourt, OSB: Nossa Senhora
Aparecida: Histórico. Disponível em <http://cleofas.com.br/nossa-senhora-aparecida-historico/>
Desde 12 de Outubro de 2016
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