O pequeno número daqueles que são
salvos
São Leonardo de Porto
Maurício
O assunto de que hoje vou tratar é muito
grave; fez mesmo tremer os pilares da Igreja, encheu de terror os maiores
Santos e povoou os desertos com anacoretas. O ponto desta instrução está em
decidir se o número de Cristãos que se salvam é maior ou menor do que o número
de Cristãos que se condenam; e produzirá em vós, segundo espero, um salutar
temor dos juízos de Deus.
Porque devo eu falar claramente
Meus Irmãos, pelo Amor que eu tenho por vós,
bem gostaria de poder sossegar-vos com a perspectiva da felicidade eterna,
dizendo a cada um de vós: Tende a certeza de que ireis para o Paraíso; a maior
parte dos Cristãos salva-se e, por isso, vós também vos salvareis. Mas como
posso eu dar-vos tão doce segurança, se vós vos revoltais contra os decretos de
Deus, como se vós fôsseis os vossos piores inimigos? Eu observo em Deus um desejo
sincero de vos salvar, mas encontro em vós uma decidida inclinação para serdes
condenados. Então, o que farei eu hoje se falar claramente? Ser-vos-ei
desagradável. Mas, se eu não falar, serei desagradável a Deus. Portanto,
dividirei este assunto em dois pontos. No primeiro, para vos encher de terror,
deixarei os teólogos e os Padres da Igreja decidir sobre este assunto e
declarar que o maior número de Cristãos adultos se condena; e, em silenciosa
adoração deste terrível mistério, guardarei para mim os sentimentos pessoais.
No segundo ponto, tentarei defender a bondade de Deus versus a falta de Deus,
provando-vos que aqueles que são condenados se condenam pela sua própria
malícia, porque querem ser condenados. Portanto, há aqui duas verdades muito
importantes. Se a primeira verdade vos assusta, não me censureis por isso, como
se eu quisesse fazer mais estreito, para vós, o caminho para o Céu, pois quis
ser neutro nesta matéria; censurai antes os teólogos e os Padres da Igreja, que
hão-de gravar esta verdade nos vossos corações pela força da razão. Se ficastes
desiludidos com a segunda verdade, dai graças a Deus por isso, pois Ele só quer
uma coisa: que vós Lhe deis inteiramente o vosso coração. Finalmente, se vós me
obrigais a dizer-vos o que eu penso, eu fá-lo-ei para vossa consolação.
Este tópico é muitíssimo importante
Não é curiosidade vã, mas sim uma precaução
salutar proclamar do alto do púlpito certas verdades que servem à maravilha
para conter a indolência dos libertinos, que tanto falam da misericórdia de
Deus e de como é fácil converter-se, que vivem mergulhados em toda a sorte de
pecados e dormem profundamente no seu caminho para o Inferno. Para os
desiludir, e para os acordar do seu torpor (inactividade mental), examinemos
hoje esta grande questão: O número de Cristãos que se salvam será maior do que
o número de Cristãos que se condenam? Ó almas piedosas, vós podeis sair; este
sermão não é para vós. O seu único propósito é conter o orgulho dos libertinos,
que lançam fora do seu coração o santo temor de Deus e juntam forças com o
demônio que, segundo o sentir de Eusébio, condena as almas ao mesmo tempo que
as sossega. Para resolver esta dúvida, ponhamos os Padres da Igreja, tanto
Gregos como Latinos, de um lado; do outro, os teólogos mais ilustrados e os
historiadores mais eruditos; e ponhamos a Bíblia ao meio, para que todos a
vejam. E agora ouvi, não o que eu vos disser – pois já afirmei que não quero
falar por mim próprio nem decidir neste assunto – mas ouvi aquilo que estas
mentes ilustres têm para vos dizer, eles que são faróis na Igreja de Deus para
darem luz aos outros, de modo a eles não perderem o caminho para o Céu. Deste
modo, guiados pela luz tripla da fé, da autoridade e da razão, seremos capazes
de dar resposta a este grave assunto e resolvê-lo com uma absoluta certeza.
Falam os Teólogos mais reconhecidos
Notem bem que aqui não é questão da raça
humana tomada como um todo, nem de todos os Católicos tomados sem distinção,
mas apenas dos Católicos adultos, que têm livre escolha e, consequentemente,
são capazes de cooperar na grande matéria da sua salvação. Primeiro,
consultemos os teólogos reconhecidos por examinarem as coisas mais
cuidadosamente e por não exagerarem nos seus ensinamentos: ouçamos dois
Cardeais eruditos, Cajetano e (S. Roberto) Belarmino. Ensinam eles que o maior
número de Cristãos adultos se condena, e se eu tiver tempo para vos apontar as
razões em que eles se baseiam, convencer-vos-eis disso por vós mesmos. Mas eu
limitar-me-ei aqui a citar Suárez (o grande teólogo). Depois de consultar todos
os teólogos e de fazer um diligente Jesus, cheio de Amor e compaixão,
mostra-nos o caminho para o Céu, mas muitas almas estão embaraçadas pelas
maldades e armadilhas do demónio e seguem o seu caminho enganador, descendo até
às profundas do Inferno. estudo sobre o assunto, escreveu ele: “O
sentimento mais comum que é mantido é o de que, entre os Cristãos, há mais
almas condenadas do que almas predestinadas.”
Os Padres Gregos e Latinos ensinam-nos
Acrescente-se a autoridade dos Padres Gregos
e Latinos à dos teólogos, e descobrireis que quase todos eles dizem a mesma
coisa. É este o sentimento de S. Teodoro, S. Basílio, Santo Efrém e S. João
Crisóstomo. E, o que é mais, segundo Barónio, era opinião comum entre os Padres
Gregos que esta verdade tinha sido expressamente revelada a S. Simão Estilita e
que ele, depois de tal revelação, decidiu, para assegurar a sua salvação, viver
de pé no cimo de um pilar durante quarenta anos, exposto às intempéries, como
modelo de penitência e santidade para todos. Consultemos agora os Padres
Latinos. Ouviríeis S. Gregório a dizer claramente: “Muitos atingem a fé, mas
poucos o Reino dos Céus.” Santo Anselmo declara: “São poucos os que se salvam.”
E Santo Agostinho afirma, ainda com maior clareza: “Por conseguinte, poucos são
aqueles que se salvam, em comparação com aqueles que se condenam.” O mais
aterrorizador é, contudo, S. Jerónimo. No fim da vida, na presença dos seus
discípulos, ele pronunciou estas palavras terríveis: “De cem mil pessoas cujas
vidas foram sempre más, dificilmente se encontrará uma que seja merecedora de
indulgência.”
As palavras da Sagrada Escritura
Mas porquê procurar as opiniões dos Padres e
teólogos, quando a Sagrada Escritura resolve esta questão tão claramente? Olhai
para o Antigo e para o Novo Testamentos, e encontrareis uma multidão de
figuras, símbolos e palavras que salientam claramente esta verdade: muito
poucos se salvam. No tempo de Noé, toda a raça humana foi submersa pelo
Dilúvio, e só oito pessoas se salvaram na Arca. S. Pedro afirma: “Esta arca era
a figura da Igreja,” enquanto Santo Agostinho acrescenta: “E estas oito pessoas
que se salvaram significam que muito poucos Cristãos se salvam, porque há muito
poucos que renunciam sinceramente ao mundo, e aqueles que a ele renunciam só em
palavras não pertencem ao mistério representado por aquela arca.” A Bíblia diz
também que só dois dos dois milhões de Hebreus entraram na Terra Prometida após
terem saído do Egipto, e que só quatro escaparam ao fogo de Sodoma e das outras
cidades queimadas que com ela pereceram. Tudo isto significa que o número dos
condenados que serão lançados ao fogo como palha é muitíssimo maior do que o
dos que são salvos, os quais o Pai do Céu há-de um dia reunir no Seu celeiro
como trigo precioso.
As palavras de Jesus
Eu nunca mais acabaria se tivesse de vos
indicar todas as figuras pelas quais a Sagrada Escritura confirma esta verdade;
contentemo-nos em ouvir o oráculo vivo da Sabedoria Incarnada. O que respondeu
Nosso Senhor àquele homem curioso do Evangelho que Lhe perguntou: “Senhor, só
uns poucos se salvarão?” Acaso se calou? Ou respondeu hesitantemente? Acaso
ocultou Ele o Seu pensamento por medo de assustar a multidão? Não. Questionado
só por um, Ele dirigiu-se a todos os presentes. E disse-lhes: “Perguntais-Me se
só alguns serão salvos?” Aqui está a minha resposta: “Em verdade, em verdade
vos digo: Esforçai-vos por entrar pela porta estreita; porque muitos procurarão
entrar e não serão capazes.” Quem está aqui a falar? É o Filho de Deus, Verdade
Eterna, que em outra ocasião diz ainda mais claramente: “Muitos são os
chamados, mas poucos são os escolhidos.” Ele não diz que todos são chamados e
que, de entre todos os homens, poucos são os escolhidos, mas sim que muitos são
chamados; o que significa, segundo explica S. Gregório, que de entre todos os
homens, muitos são chamados para a Verdadeira Fé, mas que, de entre eles,
poucos se salvam. Meus Irmãos, são estas as palavras de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Acaso são claras? São a Verdade. Dizei-me agora se vos é possível ter
fé no vosso coração e não tremer.
A Salvação nos diversos estados de vida
Mas, oh! Vejo que, ao falar assim de todos em
geral, estou a desviar-me do meu tema. Apliquemos então esta verdade a vários
estados, e compreendereis que deveis ignorar a razão, a experiência e o senso
comum dos fiéis, ou então confessar que a maior parte dos Católicos será
condenada. Haverá no mundo algum estado de vida mais favorável à inocência, no
qual a salvação pareça mais fácil e do qual as pessoas tenham uma ideia mais
elevada, do que o dos sacerdotes, os lugar-tenentes de Deus? À primeira vista,
quem não pensaria que a maior parte deles é, não apenas boa, senão mesmo
perfeita? Mas eu fico horrorizado quando ouço S. Jerónimo declarar que, embora o
mundo esteja cheio de padres, dificilmente um em cem vive de um modo que esteja
em conformidade com o seu estado (vocação); quando ouço um servo de Deus
testemunhando que soube, por uma revelação, que o número de padres que, em cada
dia, cai no inferno é tão grande que se lhe afigura impossível que tenham
ficado alguns na terra; quando ouço S. João Crisóstomo exclamar de lágrimas nos
olhos: “Eu não acredito que muitos sacerdotes se salvem; pelo contrário,
acredito que o número daqueles que se condenam é maior.” Olhai ainda mais para
cima, e vede os prelados da Santa Igreja, pastores que têm as almas a seu
cargo. Entre estes, será acaso o número dos que se salvam maior do que o número
dos que se condenam? Ouvi então Cantimpré; ele contar-vos-á um certo acontecimento,
e vós podeis tirar as conclusões. Havia um sínodo que se realizava em Paris, e
a ele assistia um grande número de prelados e pastores de almas; o Rei e os
príncipes vieram também, acrescentando lustro àquela assembleia com a sua
presença. Um pregador famoso fora convidado para pregar. E, enquanto ele estava
a preparar o seu sermão, um demónio horrível apareceu-lhe e disse: “Põe de
parte os teus livros. Se queres fazer um sermão que seja útil a estes príncipes
e prelados, contenta-te em dizer-lhes, da nossa parte: ‘Nós, os príncipes das
trevas, vos agradecemos a vós, príncipes, prelados, e pastores de almas,
porque, devido à vossa negligência, o maior número dos fiéis se condenará;
temos também guardada uma recompense para vós, por este favor, quando
estiverdes connosco no Inferno. Ai de vós que mandais noutros! Se se perdem
tantos por vossa culpa, o que vos acontecerá? Se poucos dos que estão em
lugares preeminentes na Igreja de Deus se salvam, o que vos acontecerá? Vede
todos os estados, ambos os sexos, todas as condições: maridos, esposas, viúvos,
raparigas, rapazes, soldados, comerciantes, artífices, ricos e pobres, nobres e
plebeus. Que havemos de dizer de todas estas pessoas que vivem tão mal? A
seguinte narrativa de S. Vicente Ferrer mostrar-vos-á o que podereis pensar
sobre isto. Conta ele que um arcediago em Lyon deixou o seu cargo e retirou-se
para um lugar deserto para fazer penitência, e morreu no mesmo dia e hora de S.
Bernardo. Depois da sua morte, ele apareceu ao seu Bispo e disse-lhe: “Sabei,
Monsenhor, que à mesma hora em que eu morri, morreram também trinta e três mil
pessoas. Deste número, Bernardo e eu subimos ao Céu sem demora, três foram para
o Purgatório, e todas as outras caíram no Inferno.” As nossas crónicas relatam
um acontecimento ainda mais terrível. Um dos nossos irmãos, bem conhecido pela
sua doutrina e santidade, estava a pregar na Alemanha. Representava ele a
fealdade do pecado da impureza de um modo tão forte que uma mulher caiu ali
morta de tristeza, diante de toda a gente. Depois, tendo voltado à vida, disse
ela: “Quando eu fui apresentada diante do Tribunal de Deus, sessenta mil
pessoas chegaram ao mesmo tempo, vindas de todas as partes do mundo; daquele
número, três foram salvas, passando pelo Purgatório, e todas as restantes se
condenaram.” Oh, abismos dos juízos de Deus! De trinta mil, só cinco se
salvaram! E de sessenta mil, só três foram para o Céu! Vós, pecadores que me
ouvis, em que categoria sereis vós contados?… O que me dizeis?… O que pensais?…
Eu vejo quase todos vós a baixar a cabeça, cheios de assombro e horror. Mas
deixemos de parte o nosso espanto e, em vez de nos lisonjearmos uns aos outros,
tentemos retirar algum proveito do nosso medo. Não é verdade que há dois
caminhos que levam ao Céu: a inocência e o arrependimento? Ora, se eu vos
mostrar que há muito poucos que tomam um ou outro destes dois caminhos,
concluireis, como pessoas racionais, que muito poucos se salvam. E para
mencionar provas: em qual idade, emprego ou condição não achareis que o número dos
perversos é cem vezes maior do que o dos bons, e de cada um se poderia dizer:
“Os bons são tão raros e os maus são tão numerosos”? Podemos dizer dos nossos
tempos o que Salviano disse do tempo dele: é mais fácil de achar uma multidão
inumerável de pecadores imersos em toda a sorte de iniquidades do que uns
poucos de homens inocentes. “Quando fui apresentado diante do Tribunal de Deus,
sessenta mil pessoas chegaram ao mesmo tempo, de todas as partes do mundo;
desse número, três foram salvas, passando pelo Purgatório, e todas as outras se
condenaram.” Quantos servidores são totalmente honestos e fiéis nos seus
deveres? Quantos comerciantes são justos e equitativos no seu comércio; quantos
artífices são exactos e verdadeiros; quantos vendedores são desinteressados e
sinceros? Quantos homens das leis não esquecem a equidade? Quantos soldados não
calcam aos pés a inocência; quantos senhores não retêm injustamente o salário
daqueles que os servem, ou não procuram dominar os seus subordinados? Por toda
a parte, os bons são raros e os maus numerosos. Quem não sabe que hoje há tanta
libertinagem entre os homens maduros, licenciosidade entre as moças jovens,
vaidade entre as mulheres, voluptuosidade na nobreza, corrupção na classe
média, dissolução no povo, descaramento entre os pobres, de tal maneira que se
poderia dizer o mesmo que David disse dos tempos dele: “Todos, por igual, se
afastaram do bem… não há nem um que pratique o bem, nem sequer um só.” Ide às
ruas e às praças, ao palácio e à casa, à cidade e ao campo, ao tribunal e às
casas das leis, e até mesmo ao templo de Deus. Onde encontrareis a virtude? “Ai
de nós!” clama Salviano, “excepto um número muito pequeno que foge do mal, o
que é a assembleia de Cristãos senão um poço de vício?” Tudo o que podemos encontrar
por toda a parte é egoísmo, ambição, gula e luxúria. Não está a maior parte dos
homens conspurcada pelo vício da impureza, e não tinha S. João toda a razão ao
dizer: “O mundo inteiro está assente na maldade?” E não sou eu quem vos diz
isto; a razão obriga-vos a acreditar que, de entre aqueles que vivem tão mal,
muito poucos se salvam. Mas, dir-me-eis: Não pode a penitência reparar com
proveito a falta de inocência? Eu admito que é verdade. Mas também sei que a
penitência é tão difícil na prática, não tendo nós perdido assim tão
completamente o mau hábito, e dela tão gravemente abusam os pecadores, que só
isto deveria bastar para vos convencer de que muito poucos se salvam por este
caminho. Oh, quão inclinado, estreito, cheio de silvas e horrível de ver e
difícil de escalar ele é! Por onde quer que olhemos, só vemos vestígios de
sangue e coisas que recordam tristes memórias. Muitos enfraquecem só ao vê-lo.
Muitos retiram-se mesmo no começo. Muitos caem de cansaço a meio caminho, e
muitos infelizes desistem no fim. E são tão poucos os que perseveram até à
morte! Diz Santo Ambrósio que é mais fácil encontrar pessoas que tenham
conservado a sua inocência do que achar alguém que tenha feito a penitência
necessária.
Horríveis abusos da Confissão
Se se considerar o Sacramento da Penitência,
há tantas Confissões distorcidas, tantas desculpas estudadas, tantos
arrependimentos enganadores, tantas falsas promessas, tantas resoluções
ineficazes, tantas absolvições inválidas! Consideraríeis válida a Confissão de
alguém que se acusa de pecados de impureza e continua ainda agarrado às
ocasiões de os cometer? Ou a de alguém que se acusa de injustiças óbvias e que
não tem a menor intenção de fazer uma qualquer reparação por elas? Ou a de
alguém que recai de novo nas mesmas iniquidades logo depois de ir à Confissão?
Oh, que horríveis abusos de um tão grande Sacramento! Um confessa-se para
evitar a excomunhão, outro para ter uma reputação de penitente. Um descarta os
seus pecados para acalmar os remorsos, outro esconde-os por vergonha. Um
acusa-os imperfeitamente por malícia, outro revela-os por hábito. Um não tem
presente na sua mente o verdadeiro fim do Sacramento, outro não tem o
arrependimento necessário, e outro ainda o firme propósito de não voltar a
pecar. Pobres confessores, que esforços fazeis para levardes o maior número
possível de penitentes àquelas resoluções e actos sem os quais a Confissão é um
sacrilégio, a absolvição uma condenação e a penitência uma ilusão! Onde estão
eles agora, aqueles que acreditam que, de entre os Cristãos, o número dos que
se salvam é maior do que o daqueles que se condenam e que, para autorizar a sua
opinião, raciocinam assim: a maior parte dos Católicos adultos morre nas suas
camas, armados com os Sacramentos da Santa Igreja, logo, a maior parte dos
Católicos adultos salva-se? Oh, que grande raciocínio! Deveis dizer exactamente
o contrário. A maior parte dos Católicos adultos confessa-se mal à hora da
morte; portanto, a maior parte deles se condena. E digo “quanto mais certo,”
porque um moribundo que não se confessou bem quando tinha saúde terá ainda mais
dificuldade em o fazer quando está de cama com um coração pesado, uma cabeça
fraca, uma mente baralhada; quando tem a oposição, de muitas maneiras, de
objectos ainda vivos, de ocasiões ainda frescas, de hábitos adoptados, e acima
de tudo de demónios que procuram todos os meios para o lançar no Inferno. Ora,
se juntardes a todos estes falsos penitentes todos os outros pecadores que
morrem inesperadamente em pecado, por ignorância dos médicos ou por culpa dos
parentes, que morrem por envenenamento ou por ficarem enterrados em terramotos,
ou de uma síncope, ou de uma queda, ou no campo de batalha, numa briga,
apanhados numa armadilha, fulminados pelo relâmpago, queimados ou afogados, não
sois obrigados a concluir que a maior parte dos Cristãos adultos se condena? É
este o raciocínio de S. João Crisóstomo. Este Santo diz que a maioria dos
Cristãos, através da sua vida, caminha pela estrada que vai dar ao inferno.
Porquê, então, ficais tão surpreendidos com o facto de o maior número ir para o
inferno? Para chegar a uma porta, vós deveis tomar o caminho que ali conduz. O
que tendes a responder a uma razão tão poderosa? A resposta, dir-me-ão, é que a
misericórdia de Deus é grande. Sim, para aqueles que O temem, como diz o
Profeta; mas grande é também a Sua Justiça para com aqueles que não O temem, e
ela condena todos os pecadores obstinados.
O Paraíso é só para os Cristãos
O Paraíso é para os Cristãos, evidentemente,
mas para aqueles que não desonraram o seu carácter e que vivem como Cristãos.
Além disso, se ao número de Cristãos adultos que morrem na graça de Deus se
acrescentar a hoste incontável de crianças que morrem depois do baptismo e
antes de atingirem a idade da razão, não se ficará surpreendido com o que diz o
Apóstolo São João, ao falar daqueles que se salvam: “Eu vi uma grande multidão
que ninguém poderia contar.” E é isto o que engana aqueles que pretendem que o
número dos que se salvam, de entre os Católicos, é maior do que o dos condenados
… Se a esse número acrescentardes os adultos que conservaram o manto da
inocência, ou que, depois de o terem manchado, o lavaram em lágrimas de
penitência, é certo que é o maior número que se salva; e tal explica as
palavras de S. João: “Eu vi uma grande multidão,” e estas outras palavras de
Nosso Senhor: “Muitos hão-de vir do Oriente e do Ocidente, e festejarão com
Abraão, Isaac e Jacob no Reino do Céu,” e as outras figuras geralmente citadas
a favor desta opinião. Mas se vos referis a Cristãos adultos, a experiência, a
razão, a autoridade, a propriedade e as Escrituras concordam em provar que a
maioria é condenada, Não penseis que, por causa disso, o Paraíso está vazio;
pelo contrário, é um reino muito povoado. E se os condenados são “tão numerosos
como a areia do mar, ” os que se salvam são “tão numerosos como as estrelas do
Céu,” isto é, tanto uns como os outros são incontáveis, embora em proporções
muito diferentes. Certo dia, S. João Crisóstomo, pregando na catedral de
Constantinopla e considerando estas proporções, não pôde deixar de tremer de
horror e de perguntar: “Deste grande número de pessoas, quantas pensais vós que
se salvarão?” E, sem esperar pela resposta, acrescentou: “Entre tantos milhares
de pessoas, não acharemos uma centena que se salve; e eu tenho dúvidas sobre
essas cem pessoas.” Que coisa terrível! O grande Santo acreditava que, de tanta
gente, nem uma centena de salvaria, e mesmo assim, não estava seguro desse
número. Que vos acontecerá, a vós que me escutais. Grande Deus, não posso
pensar nisso sem me arrepiar! Meus Irmãos, o problema da salvação é uma coisa
muito difícil; pois, de acordo com as máximas dos teólogos, quando um fim exige
grandes esforços, somente poucos o atingem. É por isso que S. Tomás, o Doutor
Angélico, depois de ter ponderado todas as razões a favor e contra na sua
imensa erudição, conclui finalmente que o maior número de Católicos adultos se
condena. E diz: “Porque a bem-aventurança eterna ultrapassa o estado natural,
especialmente porque este foi privado da graça original, é um pequeno número o
dos que se salvam.” Assim, pois, tirai a venda dos vossos olhos, que vos está a
cegar com o amor de vós próprios, que vos impede de crer numa verdade tão
evidente, dando-vos ideias muito falsas sobre a justiça de Deus, “Justo Pai, o
mundo não Vos conheceu,” disse Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não diz: “Pai
Todo Poderoso, Pai muito bom e misericordioso.” Ele diz “Justo Pai,” para que
compreendamos que, de todos os atributos de Deus, nenhum é menos conhecido que
a Sua justiça, porque os homens recusam-se a acreditar naquilo que têm medo de
enfrentar. Por isso, retirai a venda que vos cobre os olhos e dizei com
lágrimas: Ai de nós! O maior número dos Católicos, o maior número dos que vivem
aqui, talvez mesmo dos que estão nesta assembleia, será condenado! Haverá um
assunto que seja mais merecedor das nossas lágrimas? O Rei Xerxes, no cimo de
uma colina, olhando para o seu exército de cem mil soldados preparados para dar
batalha, e considerando que nenhum deles estaria vivo dali a cem anos, foi
incapaz de reter as lágrimas. Não teremos nós mais razões para chorar, ao
pensar que, de tantos Católicos, a maior parte deles se perderá? Este
pensamento não devia fazer com que corressem rios de lágrimas dos nossos olhos,
ou pelo menos produzir no nosso coração o sentimento de compaixão que sentiu um
Irmão Agostinho, o Venerável Marcelo de S. Domingos? Um dia, quando
estava a meditar sobre os sofrimentos eternos, o Senhor mostrou-lhe quantas
almas iam para o inferno naquele momento, e mostrou-lhe uma estrada muito larga
em que vinte e dois mil pecadores estavam a correr para o abismo, chocando uns
com os outros. O servo de Deus ficou varado de espanto e exclamou: “Oh, que
número! Que número! E ainda vêm mais. Ó Jesus! Ó Jesus! Que loucura!” Deixai-me
repetir, com Jeremias: “Quem dará água à minha cabeça, e uma fonte de lágrimas
aos meus olhos? E chorarei dia e noite pelos mortos da filha do meu povo.”
Pobres almas! Como podeis correr tão apressadamente para o inferno? Por
misericórdia, parai e ouvi-me por um momento! Ou compreendeis o que significa
ser salvo e ser condenado por toda a eternidade, ou não compreendeis. Se
compreendeis e, apesar disso, não vos decidis a mudar de vida hoje, fazer uma
boa Confissão e desprezar o mundo, numa palavra, fazer todos os esforços para
serdes contado no pequeno número dos que se salvam, digo-vos que não tendes a
Fé. Tereis mais desculpa se não compreendeis, porque então dir-se-á de vós que
haveis perdido o juízo. Ser salvo por toda a eternidade, ser condenado por toda
a eternidade, e não fazer todos os esforços para evitar um e assegurar o outro,
é algo de inconcebível.
A bondade de Deus
Talvez ainda não acrediteis nas verdades
terríveis que acabei de vos ensinar. Mas foram os teólogos mais considerados,
os Padres mais ilustres que vos falaram através de mim. Então, pois, como
podeis resistir a razões apoiadas por tantos exemplos e palavras das Sagradas
Escrituras? Se, apesar disso, ainda hesitais e se a vossa mente se inclina para
a direcção oposta, esta mesma consideração não será suficiente para vos fazer
tremer? Oh, demonstra que não vos preocupais muito com a vossa salvação! Sobre
esta matéria tão importante, um homem de bom senso é mais afectado pela menor
dúvida do risco que corre do que pela evidência da ruína total noutros assuntos
em que a alma não está implicada. Um dos nossos Irmãos, o Beato Giles,
costumava dizer que, se apenas um homem houvesse de ser condenado, ele faria
todos os possíveis para se certificar de que não seria esse homem. Então o que
devemos nós fazer, nós que sabemos que a maioria será condenada, e não só parte
da totalidade dos Católicos? O que devemos fazer? Tomar a resolução de
pertencer ao pequeno número dos que se salvam. Direis: Se Cristo queria
condenar-me, porque é que Ele me criou? Silêncio, língua atrevida! Deus não
criou ninguém para o condenar; mas quem for condenado, sê-lo-á porque quer.
Vou, portanto, defender agora a bondade do meu Deus e ilibá-Lo de toda a culpa:
será este o assunto da segunda parte. Antes de continuarmos, ponhamos de um
lado todos os livros e todas as heresias de Lutero e Calvino, e do outro lado
os livros e heresias dos Pelagianos e dos SemiPelagianos, para os queimarmos.
Alguns destroem a graça, outros a liberdade, e todos eles estão cheios de erros;
lancemo-nos, portanto, à fogueira. Todos os condenados têm na fronte o oráculo
do Profeta Oseias, “A tua perdição vem de ti,” para que compreendam que quem é
condenado, é condenado pela sua própria malícia e porque quer ser condenado. Em
primeiro lugar, tomemos por base estas duas verdades inegáveis: “Deus quer que
todos os homens se salvem,” “Todos precisam da graça de Deus.” Ora bem, se vos
mostrar que Deus quer salvar todos os homens, e que, para esse fim, dá a todos
eles a Sua graça e todos os outros meios necessários para alcançar esse fim
sublime, sereis obrigados a concordar que quem for condenado deve imputá-lo à
sua própria malícia, e que, se a maior parte dos Cristãos é condenada, é porque
eles querem que assim seja. “A tua perdição vem de ti; a tua ajuda só reside em
Mim.”
Deus deseja que todos os homens se salvem
Numa centena de lugares das Sagradas
Escrituras, Deus diz-nos que o Seu desejo é, de facto, salvar todos os homens.
“Será a Minha vontade que um pecador morra, e não que ele se converta dos seus
pecados e viva? … Eu vivo, disse o Senhor Deus. Não desejo a morte do pecador,
Convertei-vos e vivei.” Quando alguém deseja muito qualquer coisa, costuma
dizer-se que está a morrer de desejo; é uma hipérbole. Mas Deus quis e continua
a querer tanto a nossa salvação que morreu de desejo, e sofreu a morte para nos
dar vida. Esta vontade de salvar todos os homens não é, portanto, uma vontade
afectada, superficial e aparente em Deus; é uma vontade real, efectiva e
benéfica, porque Ele nos fornece todos os meios mais apropriados para que nós
nos salvemos. Não no-los dá para que não a obtenhamos; dá-no-los com uma
vontade sincera, com a intenção de nós alcançarmos os seus efeitos. E se não os
alcançamos, Ele mostra-se preocupado e ofendido por essa causa. Ordena até aos
condenados que os usem, para se salvarem; exorta-os a que o façam; obriga-os a
fazê-lo; e se não o fazem, cometem um pecado. Portanto, podiam fazê-lo e dessa
maneira ser salvos. E muito mais: como Deus vê que não podemos sequer fazer uso
da Sua graça sem a Sua ajuda, dá-nos outras ajudas; e se por vezes não fazem
efeito, a culpa é nossa, porque com estas mesmas ajudas, uma pessoa pode abusar
delas e ser condenada com elas, e outra pode usá-las bem e ser salva; poderia
até ser salva com ajudas menos poderosas. Sim, pode acontecer que abusemos de
uma grande graça e nos condenemos, enquanto que outros colaboram com uma graça
menor e são salvos. Santo Agostinho exclama: Se, por conseguinte, alguém se desvia
da justiça, esse é levado pela sua livre vontade, guiado pela sua
concupiscência, enganado pela sua própria persuasão.” Mas para quem não
compreende a teologia, eis o que lhes tenho a dizer: Deus é tão bom que, quando
Ele vê um homem a correr para a sua ruína, o Senhor corre atrás dele, chama-o,
admoesta-o e acompanha-o até mesmo às portas do inferno; o que não fará Ele
para o converter? Envia-lhe boas inspirações e santos pensamentos, e se ele não
tira proveito deles, mostra a Sua ira e indignação e persegue-o. Para o
fulminar? Não; falha e perdoa-lhe. Mas o pecador ainda não se converteu. Deus
envia-lhe uma doença mortal. Decerto é o fim para ele. Não, meus Irmãos, Deus
cura-o; o pecador torna-se obstinado no mal e Deus, na Sua misericórdia,
procura outro caminho; o Senhor dá-lhe mais um ano e, quando esse ano termina,
dá-lhe ainda mais outro.
Não acuseis a Deus!
Mas se o pecador continua a querer lançar-se
no inferno, apesar de tudo isso, o que faz Deus? Abandona-o? Não. Pega-lhe na
mão e continua a pregar-lhe, mesmo que ele tenha um pé no inferno e outro fora;
implora-lhe que não abuse das Suas graças. Agora pergunto-vos, se aquele homem
for condenado, não é verdade que é condenado contra a vontade de Deus e porque
quer ser condenado? Vinde agora perguntar-me: Se Deus queria condenar-me,
porque é que me criou? Pecador ingrato, aprende hoje que, se estás condenado,
não é Deus que deve ser censurado, mas és tu e a tua própria vontade. Para te
persuadir desta verdade, desçamos até às profundas do abismo, e de lá te trarei
uma daquelas almas que ardem no inferno, para que ela possa explicar-te esta
verdade. Ora aqui está uma: “Diz-me, quem és tu?” “Eu sou um pobre idólatra,
nascido numa terra desconhecida; Nunca ouvi falar do Céu nem do Inferno, nem
daquilo que estou a sofrer agora.” “Pobre infeliz! Vai-te, não és aquele que eu
procuro.” Vem mais um; aqui está ele. “Quem és tu?” “Eu sou um cismático dos
confins da Tartária. Vivi sempre numa nação não-civilizada, mal sabendo que
existe um Deus.” “Tu não és aquele que eu quero; volta para o inferno.” Aqui
está outra. “E quem és tu?” “Eu sou um pobre herege do Norte. Nasci abaixo do
Polo e nunca vi nem a luz do sol nem a luz da fé.” “Também não é a ti que eu
procuro; volta para o inferno.” Meus Irmãos, parte-se-me o coração ao ver,
entre os condenados, estes infelizes que nunca conheceram sequer a Verdadeira
Fé. Mesmo assim, sabei que a sentença de condenação foi pronunciada contra eles
e lhes foi dito: “A vossa condenação provém de vós.” Eles foram condenados porque
o quiseram ser. Eles receberam tantas ajudas de Deus para se salvarem! Nós não
sabemos em que tais ajudas consistiram, mas eles sabem-no bem, e agora eles
clamam: “Ó Senhor, Vós sois justo… e os Vossos julgamentos são de equidade.”
Meus Irmãos, deveis saber que a crença mais antiga é a Lei de Deus, e que todos
nós a trazemos no nosso coração; que ela pode aprender-se sem professor algum,
e que basta ter a luz da razão para conhecer todos os preceitos dessa Lei. É
por isso que mesmo os bárbaros se escondem quando cometem um pecado, porque
tiveram consciência de ter procedido mal; e são condenados por não terem
observado a lei natural que traziam escrita no seu coração; porque, se eles a
tivessem observado, Deus antes teria feito um milagre, de preferência a
deixá-los ser condenados; Ele ter-lhes-ia enviado alguém que os ensinasse e
ter-lhes-ia dado outras ajudas, das quais eles se tornaram indignos por não
viverem em conformidade com as inspirações da sua consciência, que nunca deixou
de os avisar sobre o bem que eles deviam fazer e sobre o mal que eles deviam
evitar. Assim sendo, foi a sua consciência que os acusou no Tribunal de Deus, e
que lhes diz constantemente no inferno: “A tua perdição vem de ti.” Não sabem o
que hão-de responder e são obrigados a confessar que merecem o seu destino. Ora
se estes infiéis não têm desculpa, haverá alguma desculpa para um Católico que
tinha tantos sacramentos, tantos sermões, tantas ajudas ao seu dispor? Como
ousará ele dizer: “Se Deus queria condenar-me, porque é que me criou?” Como
ousará falar desta maneira, quando Deus lhe deu tantas ajudas para se salvar?
Continuemos a confundi-lo. Vós que sofreis nas profundas, respondei-me! Há
alguns Católicos entre vós? “Claro que há!” Quantos? Venha um deles cá acima!
“É impossível, eles estão muito lá para o fundo, e trazê-los cá acima iria
revirar todo o inferno de pernas para o ar; seria mais fácil impedir um deles
enquanto lá está para cair.” Sendo assim, dirijo-me a vós que viveis no hábito
do pecado mortal, no ódio, no abismo do vício da impureza, e que a cada dia
estais mais perto do inferno. Parai, e voltai atrás; é Jesus que vos chama e
que, com as Suas chagas, assim como tantas vozes eloquentes, vos grita: “Meu
filho, se estás condenado, só a ti mesmo deves acusar: ‘A tua perdição vem de
ti.’ Levanta os olhos e vê todas as graças com que te enriqueci, para garantir
a tua salvação eterna. Podia ter-te feito nascer numa floresta da Barbária; foi
o que fiz a muitos outros; mas fiz-te nascer na Fé Católica; fiz com que fosses
educado por um bom pai e uma mãe excelente, com as instruções e ensinamentos
mais puros. Se és condenado apesar de tudo isso, de quem é a culpa? Tua, Meu
filho, tua: ‘A tua perdição vem de ti.’ “Podia ter-te lançado no inferno depois
do primeiro pecado mortal que cometeste, sem esperar pelo segundo. Fiz isso a
tantos outros, mas contigo fui paciente, esperei por ti durante muitos e longos
anos; ainda hoje estou a esperar por ti em penitência. Se, apesar de tudo isso,
és condenado, de quem é a culpa? Tua, Meu filho, tua: A tua perdição vem de ti.
Sabes quantos morreram perante os teus olhos e foram condenados: era um aviso
para ti. Sabes quantos outros pus no bom caminho para ter dar um bom exemplo.
Lembras-te do que aquele excelente confessor te disse? Foi Eu quem o fez
dizer-te isso. Ele não te exortou a que mudasses de vida e fizesses uma boa
Confissão? Fui Eu quem o inspirou. Recordas-te daquele sermão que tocou o teu
coração? Fui Eu quem te levou lá. E o que aconteceu entre ti e Mim no segredo
do teu coração, … isso nunca poderás esquecer. “Essas inspirações interiores,
esse conhecimento claro, esse remorso constante da consciência, atreve-te-ás a
negá-los? Todos eles eram mais ajudas da Minha graça, porque Eu queria
salvar-te. Recusei-Me a dá-los a muitos outros, e dei-os a ti porque te amo
ternamente. Meu filho, Meu filho, se eu tivesse falado com eles com tanta
ternura como hoje te estou a falar, quantas outras almas teriam regressado ao
bom caminho! E tu… e tu voltaste-Me as costas. Ouve o que te vou dizer, porque
estas são as Minhas últimas palavras: custaste-Me o Meu Sangue; se queres ser
condenado, apesar do Sangue que derramei por ti, não ponhas as culpas sobre
Mim; só a ti deves acusar, e por toda a eternidade, não esqueças que, se foste
condenado apesar de Mim, foste condenado porque quiseste ser condenado: ‘A tua
perdição vem de ti.’ “ Ó meu bom Jesus, até as pedras estalariam se ouvissem
palavras tão doces, expressões tão ternas. Haverá aqui alguém que queira ser
condenado, apesar de tantas graças e ajudas? Se houver um, ele que me ouça, e
depois que resista, se puder. Barónio relata que, depois da infame apostasia de
Juliano o Apóstata, ele concebeu um ódio tal ao Santo Baptismo que, dia e
noite, procurou maneira de apagar o que recebera. Para esse fim, mandou
preparar um banho de sangue de bode e meteu-se nele, querendo que este sangue
impuro de uma vítima consagrada a Vénus apagasse da sua alma o carácter sagrado
do Baptismo. Um tal comportamento parece-vos abominável, mas se o plano de
Juliano tivesse tido êxito, é certo que sofreria muito menos no inferno. Ó
pecadores, o conselho que vos quero dar pode parecer-vos estranho; mas se o
compreenderdes bem, é, pelo contrário, inspirado por uma terna compaixão por
vós. Imploro-vos de joelhos, pelo Sangue de Cristo e pelo Coração de Maria, que
mudeis de vida, que regresseis ao caminho que leva ao Céu, e que façais tudo o
que puderdes para pertencer ao pequeno número dos que se salvam. Se, pelo
contrário, quereis continuar a percorrer o caminho que leva ao inferno,
procurai ao menos maneira de apagar o vosso Baptismo. Ai de vós, se levais o
Santo Nome de Jesus Cristo e o carácter sagrado do Cristão gravado na alma para
o inferno! O vosso castigo será ainda maior. Eis, pois, o que vos aconselho que
façais: se não vos quereis converter, ide já, hoje mesmo, pedir ao vosso pastor
que apague o vosso nome do registo baptismal, de modo a que não fique nenhuma
lembrança de terdes alguma vez sido Cristãos; implorai ao vosso Anjo da Guarda
que apague do seu livro das graças as inspirações e ajudas que ele vos deu, por
ordem de Deus; porque ai de vós se ele os recordar! Dizei a Nosso Senhor que
vos retire a Sua fé, o Seu Baptismo, os Seus sacramentos. Estais horrorizados
com um tal pensamento? Então lançai-vos aos pés de Jesus Cristo e dizei-lhe, de
lágrimas nos olhos e coração contrito: “Senhor, confesso que não tenho vivido
até agora como um Cristão. Não sou digno de ser contado entre os Vossos
eleitos. Reconheço que mereço ser condenado; mas grande é a Vossa misericórdia,
e, cheio de confiança na Vossa graça, digo-Vos que quero salvar a minha alma,
mesmo que tenha que sacrificar a minha fortuna, a minha honra, até mesmo a
minha vida, se assim é preciso para me salvar. Se até agora tenho sido infiel,
arrependo-me e deploro e detesto a minha infidelidade, e peço-Vos humildemente
que me perdoeis. Perdoai-me, bom Jesus, e fortalecei-me também, para que me
possa salvar. Não Vos peço riquezas, honra ou prosperidade; peço-Vos apenas uma
única coisa, que salve a minha alma.” E Vós, ó Jesus! O que dizeis? Ó Bom
Pastor, vede a ovelha perdida que regressa a Vós, abraçai este pecador
arrependido, abençoai os seus suspiros e as suas lágrimas, ou antes, abençoai
estas pessoas que estão bem encaminhadas e que não querem mais do que a sua
salvação. Irmãos, aos pés de Nosso Senhor, protestemos que queremos salvar as
nossas almas, custe o que custar. Digamos-Lhe todos, de olhos humedecidos: “Bom
Jesus, quero salvar a minha alma.” Ó abençoadas lágrimas, ó abençoados
suspiros!
Conclusão
Irmãos, quero hoje despedir-me de vós,
deixando-vos confortados. E se me perguntais os meus sentimentos em relação ao
número dos que se salvam, ei-lo: Sejam muitos ou poucos os que se salvam, digo
que quem quiser salvar-se, será salvo; e que ninguém pode ser condenado se não
quiser. E se é verdade que poucos se salvam. é porque há poucos que vivem bem.
Quanto aos restantes, comparai estas duas opiniões: a primeira diz que a maior
parte dos Católicos serão condenados; a segunda, pelo contrário, pretende que a
maior parte dos Católicos serão salvos. Imaginai um Anjo enviado por Deus para
confirmar a primeira opinião, que vem dizer-vos que não só a maior parte dos
Católicos serão condenados, mas também que, dos que estão aqui presentes, nesta
assembleia, só um se salvará. Se obedecerdes aos Mandamentos de Deus, se
detestardes a corrupção deste mundo, se abraçardes a Cruz de Jesus Cristo em
espírito de penitência, sereis o que se salvou. Imaginai agora o mesmo Anjo,
que aparece para confirmar a segunda opinião. Diz-vos que não só a maior parte
dos Católicos serão salvos, mas ainda que, desta congregação, apenas um será
condenado e todo os outros se salvarão. Se depois disso continuardes com as
vossas usuras, as vossas vinganças, os vossos actos criminosos, as vossas impurezas,
então sereis o que será condenado. Para que serve saber se poucos ou muitos
serão salvos? S. Pedro diz-nos: “Fazei boas obras para assegurardes a vossa
escolha.” Quando a irmã de S. Tomás de Aquino lhe perguntou o que havia de
fazer para ir para o Céu. ele disse-lhe: “Serás salva se o quiseres ser.”
Digo-vos o mesmo, e aqui está a prova da minha declaração. Ninguém será
condenado, a menos que cometa um pecado mortal: isto é da Fé. E ninguém comete
um pecado mortal a não ser que queira: esta é uma proposição teológica
inegável. Portanto, ninguém vai para o inferno a não ser que queira; a
consequência é óbvia. Não chegará isto para vos confortar? Chorai os pecados do
passado, fazei uma boa Confissão, não pequeis mais no futuro, e sereis todos
salvos. Porque vos haveis de atormentar assim? Porque é certo que tereis que
cometer um pecado mortal para ir para o inferno, e que, para cometerdes um
pecado mortal, tereis que querer cometê-lo; e que, consequentemente, ninguém
vai para o inferno a não ser que queira. Isto não é apenas uma opinião, é uma
verdade inegável e muito confortante; que Deus vos faça compreendê-la, e que
Ele vos abençoe. Amen.
Este sermão de S. Leonardo de Port Maurice
foi pregado durante o reinado do Papa Bento XIV (1740-1758), que tanto estimava
o grande missionário.
Extraído de Our Lady of the Rosary Library
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Comentário ao
Pequeno número de almas que se salvam
Nas primeiras Regras sobre o discernimento
dos espíritos, Santo Inácio mostra que é
típico do espírito maligno tranquilizar os pecadores. Por isso, devemos pregar
constantemente e aumentar a confiança e o dever de esperar no infinito perdão e
misericórdia do Senhor, porque a conversão é fácil e a Sua graça é muito
poderosa. Mas devemos também recordar que não se troça Deus,” e que quem vive
habitualmente no estado de pecado mortal está no caminho da condenação eterna.
Há milagres de última hora, mas, a menos que
consideremos que os milagres fazem parte do andamento das coisas, somos
obrigados a concordar que, para a maioria das pessoas que vivem no estado de
pecado mortal, a eventualidade mais provável é a impenitência final.
As razões de S. Leonardo de Port Maurice
persuadiram-nos. São dignas de ser ouvidas, Com eloquência e claridade,
desenvolvem uma consideração do Padre Lombardi no seu debate público com um
chefe comunista italiano. Velio Spano, em Cagliari em 4 de Dezembro de 1948.
“Fico horrorizado quando penso que, se continuar assim, será condenado ao
inferno,” disse o Padre Lombardi ao marxista Spano. Spano replicou: “Não
acredito no inferno.” E o Padre Lombardi retorquiu: “Precisamente; e se o
senhor continuar assim, será condenado, uma vez que, para se evitar ser
condenado, tem que se acreditar no inferno.”
Podemos generalizar a resposta do Padre
Lombardi. Talvez seja precisamente a falta de fé sobrenatural que impede as
pessoas de compreender profundamente a transcendência pastoral de pregar á maneira
de S. Leonardo de Port Maurice na sua aplicação à nossa vida contemporânea. De
qualquer maneira, não é porque a moral seja melhor nos nossos dias do que no
tempo do famoso missionário. Nenhuma altura seria melhor para aplicarmos esta
admoestação do Cardeal Pio: “Vejo prudência em toda a parte, mas depressa não
veremos coragem em parte nenhuma; pode crer, se continuarmos desta maneira,
morreremos com um ataque de sabedoria.” Não da sabedoria divina, certamente,
porque só a prudência mundana e carnal leva à vã sapiência, que troça do sermão
de S. Leonardo.
A doutrina de S. Leonardo de Port Maurice
salvou e salvará almas sem conta até ao fim dos tempos. Eis o que a Igreja diz
na oração do Ofício Divino, Sexta Lição, ao falar da eloquência celestial de S.
Leonardo: Ao ouvi-lo, até corações de ferro e de bronze foram poderosamente inclinados à
penitência, devido à espantosa eficácia do sermão e do zelo ardente do
pregador. E na oração litúrgica pedimos ao Senhor que nos conceda o poder de
vergar os corações dos pecadores empedernidos através das obras de pregação.
NOTA DO
BLOG: Desconhecemos a autoria deste comentário que fora encontrado no PDF
disponibilizado pelo site «Fátima.Org»
PARA
CITAR ESTE ARTIGO
São Leonardo de Porto Maurício. O pequeno número
daqueles que se salvam. Disponível em < http://amigos-catolicos-evangelizadores.blogspot.com.br/2017/01/0301.html>
Desde 08 de Janeiro de 2017.
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