Comunismo: Ópio do Povo (Mons. Fulton Sheen)
Mons.
Fulton J.
Sheen, Bispo Auxiliar de Nova York
1952 - EDITORA VOZES Ltda., PETRÓPOLIS, R. J.
RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO
INTRODUÇÃO
O Comunismo é essencialmente
anti-religioso.
Depois da revolução de Outubro de 1917, foi
gravada nas paredes do antigo Paço Municipal de Moscou, defronte da Igreja da
famosa imagem da Virgem Ibéria[1],
esta inscrição: "A Religião é o Ópio do Povo". Esta inscrição foi
tirada de um dos escritos de Karl Marx intitulado: Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel. Já em 1844 Marx dissera: "A crítica da religião é o
começo de toda crítica". A orientação anti-religiosa do Comunismo
subsistiu até o presente. O sexto Congresso Mundial, levado a efeito em 1928,
estabeleceu o programa do Partido Comunista em relação à religião: "A luta
contra a religião, o ópio do povo, ocupa importante posição entre as tarefas da
revolução cultural. Esta luta deve ser levada avante persistente e
sistematicamente". Mais tarde, na segunda conferência do Instituto
Anti-religioso, realizada em Moscou a 15 de Junho de 1934, o Bezbojnik, jornal
anti-Deus, declarou que "a educação comunista da criança requer
explicitamente a educação anti-religiosa". Em Maio de 1935, recordando o
efeito do programa anti-religioso dos comunistas, ele declarava: "Fechamos
todas as casas de ópio". Isto era o cumprimento da política de Marx tanto
como da de Lenine, que, a 16 de Dezembro de 1905, escrevera: "O nosso
programa comunista inclui a propaganda do ateísmo" (Novoya Zhizn N.º 28).
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I. A RELIGIÃO É O ÓPIO DO POVO?
Não se faz mister insistir no caráter ateísta do
Comunismo, porque ele é suficientemente conhecido tanto na teoria como na
prática. Antes de tentar qualquer crítica da sua política, seria bom inquirir
precisamente as razões que os comunistas alegam em abono da sua afirmação de
que a religião é o ópio do povo. Os comunistas não fizeram essa asserção sem
alguma base, porquanto, como Lenine escreveu: "Devemos explicar de um ponto
de vista materialista a razão pela qual a fé e a religião prevalecem no meio
das massas" (Proletarii N.º 45, 26, (13), Maio de 1909). Resta, portanto,
investigar-lhes as alegadas razões.
A Argumentação Comunista
Procurando através da sua literatura de caráter
oficial, encontramos que os comunistas invocam três razões em abono da sua
afirmação de que a religião é o ópio do povo:
1) A religião ensina aos ricos os seus direitos,
e portanto ajuda os ricos na sua exploração dos pobres;
2) A religião ensina aos pobres os seus deveres
para com os ricos, e destarte ajuda a exploração dos pobres pelos ricos;
3) A religião, pela sua própria natureza, é
passiva, e mata toda atividade por meio da qual o homem possa melhorar a sua
condição econômica.
1. "Religião, patrocinando a causa dos
ricos".
Lenine desenvolve o primeiro argumento, de que a
religião é o ópio do povo porque proclama os direitos dos capitalistas e dos
ricos. Desenvolve-o assim: "A religião é uma espécie de tóxico espiritual,
no qual os escravos do capital afogam a sua humanidade e embotam o seu desejo
de uma existência humana decente" (Novoya Zhizn N.º 28). Acrescenta,
mesmo, que a religião incentiva a caridade como uma espécie de escusa para a
injustiça. "Porque aos que vivem do trabalho dos outros, a religião ensina
a serem carido-
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sos, arranjando assim uma justificação para a
exploração, e como se fosse um bilhete barato para o céu" (íbid.).
Houharin, na obra oficial do Comunismo intitulada O ABC do Comunismo,
desenvolve a mesma idéia: "A religião foi no passado, e ainda é hoje, um
dos meios mais poderosos à disposição dos opressores para a mantença da
desigualdade, exploração e servil obediência por parte dos trabalhadores"
(p. 247).
2. "Religião, sedativo dos pobres".
Os comunistas alegam que a religião é o ópio do
povo porque ensina aos pobres os seus deveres para com os ricos, e lhes promete
uma outra vida ao invés de melhorar a presente. Lenine escreveu: "A fé
ortodoxa é cara a eles porque lhes ensina suportarem os infortúnios "sem
queixa". Que fé proveitosa não é essa, realmente — para as classes
governamentais t Numa sociedade organizada de tal modo que uma insignificante
minoria desfruta a riqueza e o poder, ao passo que as massas constantemente
sofrem privação e severas obrigações, inteiramente natural é simpatizarem os
exploradores com essa religião que nos ensina a suportar "sem queixa"
as dores do inferno na terra, na esperança de um prometido paraíso no céu"
(Iskra N.º 16, 14 de Fevereiro de 1902). E novamente: "A religião ensina
aqueles que labutam na pobreza toda a sua vida a serem resignados e pacientes
neste mundo, e consola-os com a esperança de uma recompensa no céu... O
desamparo de todos os explorados na sua luta contra os exploradores gera
inevitavelmente a crença numa vida melhor após a morte, tal como o desamparo do
selvagem nas suas lutas com a natureza dá nascimento a uma crença em deuses,
demônios e milagres" (Novaya Zhizn N.º 28, 16 de Dezembro de 1905).
3. "Religião, entorpecente da
humanidade"
O terceiro argumento oferecido pelos comunistas
em abono da sua afirmação de que a religião é o ópio do poro é o de que, pela
sua própria natureza, a religião
5
torna o homem passivo. Pregando constantemente a
resignação à própria sorte e a resignação à vontade de Deus, ela adormenta o
homem ativo e torna-o descuidado no tocante à sua condição econômica. Por
exemplo, na sua obra O ABC do Comunismo, N. Houharin declara que "há um
conflito irreconciliável entre os princípios do Comunismo e os mandamentos da
religião". E, como uma evidência do caráter passivo da religião, cita ele
o código cristão: "Quem quer que te ferir na face direita, oferece-lhe
também a outra". E então acrescenta: "Todo aquele que, embora
chamando-se comunista, continua a aderir à sua fé religiosa, quem quer que em
nome dos mandamentos religiosos infringe as prescrições do Partido, por isso
mesmo cessa de ser comunista. É proveitoso para a classe rapinante manter a
ignorância do povo e manter a crença infantil do povo em milagres (a chave do
enigma fica realmente no bolso dos exploradores), e é por isto que os
preconceitos religiosos são tão tenazes; é por isto que eles confundem as
mentes mesmo de pessoas que, a outros respeitos, são capazes'' (p. 248).
Uma distinção a fazer.
Tal é a atitude oficial do Comunismo para com a
religião, apresentada nas palavras dos seus melhores expoentes. Resta agora
julgar-lhes as razões calma e desapaixonadamente. Antes de iniciarmos uma
apreciação crítica desses argumentos, uma reflexão geral deve ser feita, a saber:
devemos distinguir cuidadosamente entre o que a religião é naqueles que se
professam religiosos, e o que a religião é na sua natureza e no seu programa.
No tocante aos que se professam religiosos, deve-se admitir que há alguns
exemplos em que a religião foi usada como ópio do povo. Não há dúvida de que às
vezes indivíduos inescrupulosos têm usado a religião como um instrumento de
exploração e domínio. Pedro o Grande na Rússia, Napoleão na França, e mesmo o
último Czar, oferecem exemplos clássicos de semelhante abuso da religião. Um
profes-
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sor da Universidade de Yale, falando do declínio
da Cristandade não-católica, atribui isso principalmente à identificação que
alguns pregadores têm feito entre religião e uma ordem social decadente que às
vezes tem sido ré de exploração.
No tocante a esses indivíduos que têm usado para
fins baixos a instituição social da religião, compartilhamos a indignação de
Lenine. Porém o que ele e seus companheiros comunistas esquecem é que essas são
exceções, e não estão no espírito nem no programa da religião. Nunca poderíamos
admitir que a religião que Nosso Senhor fundou tenha favorecido o rico contra o
pobre. As palavras de advertência do Mestre ainda nos soam aos ouvidos:
"Bem-aventurados os pobres em espírito... Ai de vós que sois ricos... Já
tendes a vossa recompensa... As raposas têm tocas, as aves do ar têm ninhos,
mas o Filho do Homem não tem onde pousar a cabeça". A História inscreveu-o
nos seus registros como o Pobre universal, o qual, no seu nascimento, teve de se
contentar com um abrigo que não lhe pertencia, e, na sua morte, com um túmulo
alheio. A história da religião que Ele fundou é a história de uma Igreja que
por dezenove séculos tem cuidado dos pobres e dos fracos e dos enfermos em
hospitais e orfanatos e escolas e instituições de caridade, e isso por nenhuma
outra razão senão a de que ela vê a Cristo no pobre. Atitude muito infantil,
revelando falta de raciocínio crítico da parte dos comunistas, é argüirem eles
que, pelo fato de alguns poucos haverem prostituído a santidade da religião,
por isto a religião é vil. O fato de haver algumas moedas falsas no mundo não é
razão para se abolir o dinheiro; o fato de haver alguns indivíduos que praticam
bandalheiras não é razão para se suprimir o governo; o fato de alguns
automobilistas serem negligentes não é razão para que se destruam os
automóveis; e o fato de haver alguns que traem o Cristianismo não é razão para
se destruir o Cristianismo.
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Refinação dos Argumentos Comunistas
Resta agora discutir por miúdo os três
argumentos dos comunistas.
1. A Religião e os ricos.
Primeiramente, será verdade que a religião é o
ópio do povo pelo fato de ensinar aos ricos os seus direitos? Desafiamos os
comunistas a apontarem, em toda a história da Igreja, uma única passagem
oficial em que ela use a religião como ópio do povo. Karl Marx nos seus
melhores momentos e Lenine nos seus mais amargos, nunca protestaram com tanta
justiça e com tanta delicadeza e exatidão contra a exploração dos pobres pelos
ricos, como o fizeram Leão XIII e Pio XI. Será que esta advertência de Leão
XIII, por exemplo, soa como se ele estivesse defendendo os direitos do rico?:
"Os ricos e os patrões devem lembrar-se de que explorar a pobreza e a
miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprováveis pelas
leis divinas e humanas" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n.º 32). E Pio XI, com
maior ênfase, condena os ricos que são réus de exploração e de domínio:
"É coisa manifesta que em nossos tempos não
só se amontoam riquezas, mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro
despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são
senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com
que negociam a seu talante. Este despotismo torna-se intolerável naqueles que,
tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por
isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam,
que ninguém pode respirar sem sua licença. Este acumular de poderio e recursos,
nota característica da economia atual, é conseqüência lógica da concorrência
desenfreada, à qual só podem sobreviver ordinariamente os mais fortes, isto é,
os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência.
Por outra parte, este mesmo acumular de poderio gera três
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espécies de lutas pelo predomínio: primeiro
luta-se por alcançar o predomínio econômico; depois combate-se renhidamente por
obter o predomínio no governo da nação, a fim de poder abusar do seu nome,
forças e autoridade nas lutas econômicas ; enfim, lutam os Estados entre si,
empregando cada um deles a força e influência política para promover as
vantagens econômicas dos seus cidadãos, ou ao contrário empregando as forças e
predomínio econômico para resolver as questões políticas que surgem entre as
nações" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, nº 105-108).
Nessa mesma Encíclica o Santo Padre parece
insinuar que, a menos que os ricos ponham a sua casa em ordem, devem estar
preparados para a subversão da sociedade que o Comunismo fará cair sobre eles:
"Digna de censura é a inércia daqueles que não tratam de suprimir ou mudar
um estado de coisas que, exasperando os ânimos, abre caminho à subversão e
ruína completa da sociedade" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, nº 112).
Não há aqui, da parte da Igreja, apelo em favor
disso a que chamamos liberdade econômica de amontoar riqueza sem consideração
com a justiça social; Leão XIII também já condenara esse erro do Liberalismo.
As Encíclicas indicam muito bem que a riqueza protege aqueles que a possuem, e
não os que não a possuem; que a iniciativa abre novos horizontes para aqueles
que podem conseguir a independência, mas não para aqueles que são escravos de
salários semanais. Mas, pelo fato de haver a riqueza muitas vezes redundado em
exploração, a solução das Encíclicas não é a dos comunistas, que quereriam
destituir os homens da sua propriedade. O Santo Padre sustenta que a solução
dos nossos males não está na destituição, porém na distribuição; se há ratos no
celeiro, não é isto razão para que se toque fogo ao celeiro; é razão somente
para que se enxotem os ratos.
Nem é verdade, como Lenine insinuou, que a
Igreja pede aos ricos serem caridosos com o fim de cobrirem as suas injustiças,
dando-lhes assim um bilhete fá-
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cil para o céu. Como Pio XI afirma: "As
riquezas terrenas não são garantia daquela bem-aventurança que nunca findará,
antes pelo contrário, porquanto os ricos deveriam tremer ante a ameaça de Jesus
Cristo — ameaça tão estranha na boca de Nosso Senhor, — de que muito estrita
conta deve ser dada ao Supremo Juiz por tudo quanto possuímos". E se isto
ainda não é bastante forte, então ouçamos as palavras de Pio XI sobre a
caridade em relação com a justiça: "Com tal estado de coisas (divisão da
sociedade em duas classes) facilmente se resignavam os que, nadando em
riquezas, o supunham efeito inevitável das leis econômicas, e por isso queriam
que se deixasse à caridade o cuidado de socorrer os miseráveis; como se a
caridade houvesse de cobrir estas violações da justiça, que os legisladores
toleravam e, por vezes, sancionavam" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, n.º
4). Em face destas afirmações oficiais da Igreja, semelhante às quais nem uma
simples página existe em toda a literatura comunista, imediatamente evidente
deveria ser que a religião não é o ópio do povo pelo fato de ensinar aos ricos
os seus direitos. Estas passagens do Santo Padre acentuam, antes, os deveres
dos ricos, e para um comunista é muito inconveniente acusar a Igreja de se
aliar somente com os ricos, quando às almas a ela consagradas ela pede fazerem
voto de pobreza. Não podemos colher uvas de abrolhos; como então poderia a
Igreja colher da sua vinha o Pobrezinho de Assis, se plantasse somente o amor
dos ricos?
2. A Religião, defensora dos pobres.
A Igreja nunca foi unilateral a ponto de ensinar
aos pobres somente os seus deveres. Os comunistas não podem apontar uma simples
linha, em toda a história da Igreja, na qual ela tenha pedido aos pobres se
submeterem à exploração. Pelo contrário, a Igreja ensina que o Estado tem
deveres para com os pobres. Leão XIII diz: "Assim como o Estado pode
tornar-se útil às outras classes, assim também pode melhorar muitíssimo a sorte
da classe operária; .. .e quanto mais
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se multiplicarem as vantagens desta ação de
ordem geral, tanto menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes
para remediar a condição dos trabalhadores" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n.
48). Não é apenas uma questão de caridade para com o pobre; é, antes, uma
questão de verdadeira justiça, e uma questão que reclama aplicação estrita, se
não por outra razão, ao menos pelo fato de serem os pobres a maioria.
"Os pobres, com o mesmo título que os
ricos, são, por direito natural, cidadãos; isto é, do número das partes vivas
de que se compõe, por intermédio das famílias, o corpo inteiro da nação, para
não dizer que em todas as cidades são o grande número. Como, pois, seria
desrazoável prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se
evidente que a autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para
salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Se ela faltar a
isto, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é
devido. A esse respeito S. Tomás diz muito sabiamente: "Assim como a parte
e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que pertence ao todo
pertence de alguma sorte a cada parte" (II-II, q. 61, a. 1, 2). É por isso
que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover,
como convém, ao bem público, o principal dever, que domina todos os outros,
consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando
rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva" (Rerum Novarum,
Ed. Vozes, n. 49).
Se houver possibilidade de escolha, devem os
pobres ser favorecidos de preferência aos ricos: "Na proteção dos direitos
particulares, o Estado deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos
indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem
menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem
riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a
proteção do Estado. Que o Estado se faça, pois,
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sob um particularíssimo título, a providência
dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre" Rerum Novarum,
Ed. Vozes, n. 54).
É precisamente contra a exploração dos pobres
que o Pontífice protesta, e em particular contra essa exploração que o
Comunismo pratica, a saber, o trato dos homens como outros tantos estômagos a
fazerem dinheiro para o Estado.
"No que diz respeito aos bens naturais e
exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre
operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma
discrição, das pessoas como das coisas" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 59).
Nem é verdade, como diz Lenine, que a Igreja não
faz outra coisa senão ensinar "aqueles que labutam na pobreza a vida toda
a serem resignados e pacientes neste mundo, e consolá-los com uma recompensa no
céu". A verdade é o contrário: "Nem se pense que a Igreja se deixa
absorver de tal modo pelo cuidado das almas, que põe de parte o que se
relaciona com a vida terrestre e mortal. Pelo que em particular diz respeito à
classe dos trabalhadores, ela faz todos os esforços para os arrancar à miséria
e procurar-lhes uma sorte melhor. E, certamente, não é um fraco apoio que ela
dá a esta obra só pelo fato de trabalhar, por palavras e atos, para reconduzir
os homens à virtude. Os costumes cristãos, desde que entram em ação, exercem
naturalmente sobre a prosperidade temporal a sua parte de benéfica influência;
porque eles atraem o favor de Deus, princípio e fonte de todo o bem; comprimem
o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que
freqüentes vezes lançam a amargura e o desgosto no seio mesmo da opulência (1
Tim 6, 10); contentam-se enfim com uma vida e alimentação frugal, e suprem pela
economia a modicidade do rendimento, longe desses vícios que consomem não só as
pequenas, mas as grandes fortunas, e dissipam os maiores patrimônios"
(Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 42).
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Para que não fosse deixado vago o interesse pela
prosperidade terrena do homem, Pio XI adita à concreta sugestão de Leão XIII
uma recomendação que é o contrário do Comunismo, como seja — ajudar os
trabalhadores a possuírem a propriedade. Não arrancá-la e tornar milionários os
"leaders" do Partido Comunista; porém dá-la aos pobres como posse
deles: "É, pois, necessário empregar energicamente todos os esforços, para
que, ao menos de futuro, as riquezas granjeadas se acumulem em justa proporção
nas mãos dos ricos, e, com suficiente largueza, se distribuam pelos operários;
não para que estes se dêem ao ócio, — já que o homem nasceu para trabalhar como
a ave para voar, — mas para que, vivendo com parcimônia, aumentem os seus
haveres, aumentados e bem administrados provejam aos encargos da família; e,
livres assim de uma condição precária e incerta qual é a dos proletários, não
só possam fazer frente a todas as eventualidades durante a vida, mas deixem
ainda por morte alguma coisa aos que lhes sobrevivem" (Quadragesimo Anno,
Ed. Vozes, n. 61).
3. A Religião, estimuladora das atividades
humanas.
Consideremos agora o argumento dos comunistas de
que a religião torna o homem passivo.
a) Provavelmente, não haverá maior perversão da
verdade do que esta afirmação do Comunismo. O contrário é que é verdade. A
religião é essencialmente dinâmica. A Igreja, é verdade, prega-nos a resignação
à nossa própria sorte, mas isto não significa passividade. Antes, é uma
resignação orientada para a ação. Resignação significa aceitação da nossa sorte
enquanto se aguardam melhores coisas que devem ser alcançadas não por meio de
revolução, mas mediante atuação inteligente. Não é esta a atitude de uma mãe
para com seu filhinho? Ela se resigna à infância deste, mas isto não quer dizer
que ela se recuse a criá-lo e educá-lo até que ele entre na adolescência e na
maturidade. O lavrador que semeia a sua semente resigna-se ao fato
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de ter ela de crescer mediante um processo
lento, misterioso, pois nem em pensamento pode ele aumentar um côvado à sua
própria estatura. Porém semelhante resignação não significa que ele não deva
cultivar a sua seara, ou não deva extirpar o joio ou receber com agrado a ação
do sol e da chuva. De igual modo, quando a Igreja fala de resignação cristã,
entende dizer que devemos trabalhar efetivamente pela melhoria social como o
lavrador o faz com sua semente, isto é, que nos devemos capacitar de que toda
reforma deve proceder de uma verdadeira consideração da natureza da coisa a ser
reformada. Ela repudia o sistema comunista, por saber que não se pode criar um
paraíso terrestre econômico mediante uma revolução, tão pouco como se pode
fazer uma criança crescer acendendo-lhe uma bomba debaixo do berço.
b) Por que é que os comunistas não podem ver
esse fato óbvio de que, se a religião acentuasse a passividade do homem, então
nunca admitiria a terrível realidade do pecado? O pecado não significa que o
homem é consciente, deliberado e ativo, e que a criatura pode levantar o seu
Non serviam contra o Criador? O próprio símbolo do Cristianismo, que é a Cruz,
atesta melhor do que qualquer outra coisa a atividade do homem na religião.
Diante dessa Cruz o homem não pode ficar indiferente; não pode ser passivo; ou
tem de pregar nela o Salvador, ou tem de subir a ela para ser crucificado com
Ele. Se a religião é passiva, por que então os comunistas hão de ser tão ativos
para destruí-la? Acaso organizamos exércitos para matarmos aquilo que
acreditamos serem cães mortos? Se a religião é passiva, por que então
incentivava o martírio entre os católicos na Espanha? Realmente, se a religião
é um ópio, é uma estranha espécie de ópio que faz mártires.
c) Além disto, se for verdade que o Cristianismo
lança toda a responsabilidade sobre Deus, então como explicarmos a sua
filosofia do progresso técnico? De acordo com a Igreja, todo progresso na
ciência e na tecnologia é devido à livre atividade do homem. Por
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que é que ela condena o quietismo, senão por ser
ele bastante néscio para esperar que Deus diga por nós as nossas preces, como
néscio é esperar que Deus venha em pessoa cultivar as nossas searas? Deus dá ao
homem a graça para elevá-lo e sustentá-lo num estado sobrenatural; mas a
invenção das suas máquinas, o incremento da sua agricultura, a melhoria da sua
condição econômica deve vir dele mesmo, como causa secundária, ainda mesmo
quando ele reconheça a Deus como causa primária. Um dos princípios mais básicos
da filosofia católica é que o controle sobre a natureza, que é o requisito da
ciência, só é possível a um espírito superior à natureza. Quer isto dizer que
todo progresso científico, todo progresso técnico e adiantamento cultural
procede do homem, cuja liberdade é conseqüência da espiritualidade da sua alma.
Por que é que as pedras não podem conhecer? Por que é que a erva não pode
pensar e refletir no seu crescimento? Por que é que o ferro, nas entranhas da
terra, não pode clamar pela sua libertação? É porque essas coisas não têm um
espírito desligado da sua materialidade; é porque cada uma delas está tão
imersa na matéria, que não pode voltar-se sobre si mesma para jazer alguma
coisa consigo mesma. Mas um homem pode justamente fazer isso; pode pensar sobre
si mesmo, entristecer-se com os seus fracassos e alegrar-se com os seus êxitos,
porque tem uma alma que transcende à matéria. É o espírito que o torna livre;
e, pelo fato de ser livre da matéria, ele pode transformar a matéria: converter
árvores em estátuas, pedras em edifícios, carvão em calor, e a insignificância
de um carbono no brilho de um diamante. Porém o Comunismo, partindo do
princípio de que só há matéria, é, por isso, incapaz de explicar o progresso
científico, ou por que razão o homem pode edificar mil cidades diferentes, e
uma formiga tem de construir sempre um formigueiro. Negar o espírito é negar a
liberdade, negar a liberdade é arruinar a atividade criadora do homem — e tal é
a essência do Comunismo. Daí achar-se ele na contingência de deixar inexplicada
a própria
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coisa que ele exalta, ou seja o progresso
técnico. Ele nos diz que a civilização muda com as suas ferramentas, mas não
nos diz por que razão o homem faz ferramentas e não as fazem os esquilos. De
fato, se há filosofia que torne o homem passivo, é a filosofia que diz ao homem
que ele é apenas material; porquanto podeis imaginar algo mais passivo do que
uma ferramenta?
d) Finalmente, a religião é dinâmica porque se
interessa pelo futuro. O Comunismo assevera que os pensamentos acerca do futuro
tornam o homem passivo. Se isto é verdade, por que então eles insistem tanto no
Plano Qüinqüenal? É o futuro ou é o presente que faz a vaca ficar satisfeita
com o seu pasto? A verdade é esta: quanto mais ideal é o futuro, tanto mais
forte é o incentivo à ação. O simples fato de eu ter que tomar uma refeição
amanhã não reclama grande ação da minha parte hoje. Mas o fato de eu querer ser
médico ou advogado em dez anos dá-me energias para dez anos de estudo. Ora, o
futuro que a religião ostenta diante do homem não é somente uma consciência
tranqüila todos os dias da sua vida, mas também uma eterna recompensa na outra.
Destarte o cristão é convidado a ser um homem de ação tal, que, se lhe forem
dados dez talentos, deve ele ganhar mais outros dez para conquistar o reino dos
céus, e, se lhe forem dados cinco, deve ele ganhar mais cinco; porém ai dele se
for passivo e enterrar o seu talento dentro de um guardanapo — então, até mesmo
aquilo que ele tem ser-lhe-á tirado. A religião é tão ativa que baseia o seu
incentivo numa intérmina vista de perfeição. Ao cristão é dito que ele deve não
somente correr a corrida ou combater o bom combate, porém ganhar; e que a coroa
só virá àqueles que são bastante enérgicos para tomar uma cruz, ser benignos
para com os que blasfemam, bendizer os que os perseguem e dizer
"perdoai-lhes" até mesmo àqueles que nos pregam numa cruz. Isto é
ação, e o comunista que disser que não é deve experimentar viver por um dia a
vida ativa de um santo. Então descobrirá que, quando se rouba a
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um homem o seu ideal futuro, rouba-se a esse
homem a sua força motriz para agir. Porquanto, se esta vida é tudo, então que
diferença faz, para o regime comunista, que eu viva mal ou bem? Se esta vida
presente é um mero sonho entre dois vácuos, então por que construir um túmulo
para Lenine e não o construir para um fiel cavalo velho numa fazenda coletiva?
Se ambos têm o mesmo fim, e se ambos são materiais, então por que um deve ser
honrado de preferência ao outro? Certamente, no fundo dos seus corações os
comunistas devem perguntar-se que lhes aproveita encherem o mundo de tratores e
perderem suas almas imortais. E, do momento em que eles fizerem a si esta
pergunta, começarão a ser ativos como os cristãos, planejando não somente como
hão de salvar suas colheitas, mas também como hão de salvar as suas almas.
II. O COMUNISMO É O ÓPIO DO POVO!
Sucede com freqüência certos indivíduos acusarem
outros de pecado, com o fim de encobrirem os seus próprios. Isto também é
verdade no Comunismo. Este tem acusado a religião de ser o ópio do povo, para
encobrir o fato de ser o próprio Comunismo o ópio do povo. E por que é ele o
ópio do povo? Por três razões :
1) Porque explora os pobres, submetendo-os à
vontade do Partido Comunista;
2) Porque adormece os pobres prometendo-lhes
algo que ele nunca pode dar, a saber: um paraíso terrestre;
3) Porque torna o homem passivo, fazendo-o um
instrumento do Partido Comunista.
1. O Comunismo justifica a exploração do
trabalhador pelo Partido.
O Comunismo é o ópio do povo porque mascara as
injustiças da exploração comunista; ou, trocando apenas uma palavra numa
sentença de Lenine: "O Comunismo é uma espécie de intoxicação espiritual
que fornece uma justificação para a exploração". Ele en-
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gana o proletariado dentro da crença de que eles
devem sofrer tudo para estabelecer a revolução mundial, ao passo que o Partido
em controle se ceva em poder, privilégio e luxo. Para compreender esta
afirmação devemos considerar o fato de que há menos de três milhões de membros
do Partido Comunista na Rússia, e de que, pelo terror e pela propaganda, esses
poucos milhões governam cento e sessenta milhões. A máscara favorita do Partido
para a exploração é o seu ódio ao capitalismo, capitalismo que ele diz ter
reduzido os trabalhadores a pó. Na realidade, o Comunismo não é inimigo do
capitalismo. Antes, o Comunismo tem ignorado certos aspectos benéficos do
capitalismo, e tem elevado a uma filosofia da vida todas as suas formas
perversas e corrompidas. O capitalismo disse que o fim econômico é o principal
fim do homem; o Comunismo diz que o fim econômico é o único fim do homem. O
capitalismo muitas vezes pagou ao operário um salário tão baixo, que este não
podia possuir casa própria; o Comunismo paga um salário ainda mais baixo, e
nega ao operário o direito de possuir sua casa. O capitalismo desenvolveu o
egoísmo individual; o Comunismo gera o egoísmo coletivo. O capitalismo
concentrou a riqueza nas mãos de alguns; o Comunismo concentra a riqueza nas
mãos do Partido. O capitalismo até certo ponto controlou o contrato de salário,
controlando a maioria dos empregos; o Comunismo elimina o contrato de salário,
controlando todos os empregos; nele há só um patrão, o Partido, e, se
recusardes trabalhar para esse patrão, perdereis o direito de comer — pois na Rússia
não há caridade. O Comunismo é o capitalismo enlouquecido, e um comunista é um
capitalista que tem ganância no coração mas não tem dinheiro no bolso.
Ponha-se uma vez a máscara do Comunismo, e a
exploração dos trabalhadores é fácil; se o Plano Qüinqüenal falhar, lance-se a
culpa sobre os operários nos campos, por haverem recusado cooperar com os
ideais do Partido. Que pensaríamos nós se o Ministério da Agricultura fuzilasse
trinta e cinco dos seus funcioná-
18
rios, sem processo, por causa de um fracasso de
colheita, ou se o Governo fuzilasse quarenta e oito dos seus especialistas, sem
processo, por haver a produção declinado? Todavia, foi justamente isto que o
Partido Comunista fez em 1930 e 1933. Que sucederia no nosso País se alguma
grande organização produtora afixasse amanhã de manhã no seu quadro de avisos o
Código 47 da União Soviética, para o fim de que todo empregado que faltasse ao
trabalho por um dia perdesse o emprego, e ele e sua família fossem privados das
suas posses (Izvestia, 21 de Novembro de 1932)? Não chamaríamos de explorador o
nosso Governo se, na sua ânsia de colher uma grande safra, mesmo na área seca,
publicasse uma nota proibindo os agricultores de comerem as próprias espigas de
milho que eles haviam plantado e cultivado? Contudo, foi isto o que o Partido
Comunista fez aos famintos lavradores das fazendas coletivas na Rússia, rezando
a nota: "O culpado deve ser fuzilado e seus bens confiscados"
(Izvestia, 8 de Agosto de 1932). Suponde que, por causa do decréscimo nas
colheitas, o nosso Departamento de Agricultura ordenasse às crianças
"guardarem os campos mesmo durante a noite, desde que tenham oito anos de
idade" (Moldaia Guardia, 17 de Agosto de 1935); não seria isto uma máscara
para encobrir a mais diabólica espécie de exploração? Suponde, ademais, que o
Presidente confiscasse toda propriedade privada, e depois, em nome de um Brasil
maior, fizesse o lavrador pagar, por uma broa ou por um pão, dezenove vezes
mais do que o governo deu ao lavrador pelo seu trigo (Izvestia, 26 de Setembro
de 1935)! Contudo, esta é a situação na Rússia, país sem intermediários, porém
com centenas de funcionários desonestos.
Certamente, se o termo exploração pertence a
alguém, deve ser aplicado àqueles que o usam mais para encobrir os seus
próprios pecados, ou seja àquele país onde o Comunismo ilude o explorado
trabalhador mantendo baixos os salários dos funcionários públicos e altos os
seus privilégios — tais como cartões especiais, casas de férias, carros
particulares, transporte especial
19
e casas de luxo; — onde o operário é tão
explorado para efeito de comércio exterior e de propaganda, que em 1934 o
Estado produziu para cada cidadão, no seu clima frio, somente 2/5 de uma jarda
de fazenda de lã e 11/10 de jardas de fazenda de linho (Izvestia, 22 de Abril
de 1935), e para cada 4,5 pessoas somente um par de sapatos. A exploração
torna-se nada menos que criminosa quando diz aos trabalhadores que há tanto
trigo que eles não precisam mais de racionamento de pão; mas, de fato, fecha os
armazéns das cooperativas onde eles podem comprá-lo a preço mais ou menos
razoável, e força-os a comprar em armazéns comerciais onde se sabe que o preço
é muitas vezes mais alto. Em virtude desta exploração, o Partido Comunista
alardeou haver aumentado a sua renda de vinte e quatro bilhões de rublos para
1935 (Za Ind., 9 de Fevereiro de 1935). Não é, pois, de admirar que uma das
anedotas mais populares na Rússia seja a de um explorado operário pendurado
precariamente a um coletivo superlotado, e que, quando viu Stalin e seus
ajudantes passarem perto num Rolls-Royce, observou sarcasticamente: "Eu
sou o patrão. Esses são os meus caixeiros".
2. O Comunismo engana o pobre com a esperança
falaz de um paraíso terrestre.
O Comunismo é o ópio do povo porque adormece os
pobres prometendo-lhes algo que nunca lhes pode dar, ou seja um paraíso
terrestre. Mudando apenas uma palavra numa sentença de Lenine: "O
Comunismo ensina aqueles que labutam toda a sua vida em pobreza a serem
resignados e pacientes neste mundo, e consola-os pelo pensamento de um paraíso
terrestre". Singular espécie de paraíso esse, que é inaugurado pelo
morticínio, pelo exílio e pelo confisco; estranha espécie de paraíso esse, que
espera estabelecer a fraternidade pregando a luta de classes, e estabelecer a
paz praticando a violência. Estranha espécie de paraíso esse que tem de
recorrer ao temor e à tirania para impedir que alguém "escape" dele.
Um anjo teve de
20
conduzir Adão e Eva para fora do Éden; mas
parece que tantos foram os que tentaram escapar do paraíso de Stalin, que este
publicou um decreto no Izvestia de 9 de Junho de 1934, para o efeito de que, se
alguém tentasse fugir, a sua família inteira seria mandada para o exílio e para
o trabalho forçado por cinco anos, mesmo se não soubesse nada da intenção dele;
também seria privada dos direitos eleitorais, o que significava perda dos
cartões de alimentação. Estranho paraíso esse em que, no meio de uma fome,
Kalinin, o Presidente da U. S. S. R., disse aos camponeses que as colheitas
eram pequenas porque eles comiam pão demais (Izvestia, 10 de Janeiro de 1936).
O Comunismo é realmente o ópio do povo quando, de um lado, permite que pelo
menos cinco milhões de pessoas morram de fome na Ucrânia e no norte do Cáucaso
pelo fato de o Estado exigir dos operários duas ou três vezes a safra dos anos
anteriores; e, de outro lado, anuncia no seu jornal, o Pravda (28 de Julho de
1933) : "A União Soviética é o único país no mundo que não conhece a
pobreza". Não admira que o povo russo diga que não há Verdade (Pravda) nas
Novidades (Izvestia) e não há Novidades na Verdade.
O Comunismo é realmente o ópio dos pobres quando
lhes diz que aboliu completamente o desemprego na Rússia, embora ocultando o
trágico fato de que qualquer país estaria sem desemprego se houvesse nele
conscrição de trabalho em massa. Lá, o homem desempregado tem de aceitar
trabalho onde quer que este lhe seja oferecido, mesmo quando a mil milhas de
distância, porque não há senão o Estado que emprega; e, se o operário recusar o
emprego, não poderá ir para nenhum outro lugar. O Brasil também poderia abolir
o desemprego se o Presidente assumisse poderes ditatoriais e declarasse que
cada cidadão tinha de fazer para o Estado um trabalho prescrito, em troca de
comida e de roupa. Chamberlin, que passou doze anos na Rússia, declarou que as
famílias socorridas na América estão em melhores condições do que muitos dos
lavradores russos. Knickerbocker, jornalista ameri-
21
cano, comparando o custo de vida na U. S. S. R.
e nos Estados Unidos, avaliou o salário diário de um kolkhozian (lavrador numa
fazenda coletivista) em oito centavos americanos. Para que essa estimativa não
seja considerada falsa, seria bom reportar-se ao Jornal de Instrução Comunista
(publicação comunista, 18 de Novembro de 1934), onde é declarado que um
lavrador que conserva consigo uma vaca deve dar ao Estado, por esse privilégio,
136 quartilhos de leite e 50 libras de carne. O salário médio de um trabalhador
na Rússia é de 225 rublos por mês. Uma indicação do poder de compra desse salário
é proporcionada pelo fato de ser preciso o salário de três semanas para comprar
um par de sapatos (Sovietskaia Torgovlia, Ns. 99 e 110, 1936). Há algumas
cidades na Rússia onde é quase impossível comprar umas calças, p. e., Kharkov,
Gorki, Rostov (Izvestia, 10 de Março de 1936). O diário oficial de Moscou diz:
"Nenhum armazém em Moscou pode dizer quando será possível fornecer
mercadoria" (Izvestia, 28 de Junho de 1936). Mikoyan, o Comissário da
Indústria de Alimentação, disse: "Na República Soviética estamos
acostumados a ter somente mercadorias de má qualidade, e sempre em quantidades
insuficientes" (Izvestia, 27 de Dezembro de 1935). Soulimov, Presidente
dos Comissários do Povo, disse: "Tudo está a um nível muito baixo, exceto
os preços, que são exorbitantes" (Pravda, 31 de Julho de 1936).
E assim a citação de fatos poderia prosseguir
indefinidamente. Todos eles contam a mesma história, a saber: o Comunismo é o
ópio do povo porque explora os pobres prometendo-lhes o impossível, mesmo nesta
vida. A Religião, é verdade, faz crer numa vida futura; mas nunca pediu aos
homens que, na esperança de uma sorte futura, se resignassem a condições tais
como existem na Rússia. Quem quer que leia o autorizado livro do Dr. Ewald
Ammende, A Vida Humana na Rússia (Alien and Unwin, 1936, Londres), verá como os
russos se acham mal sob o domínio dos comunistas. As fotografias das vítimas da
fome por si só contam uma história, independentemente do texto. Ali não so-
22
mente sofre a vida humana, mas sofre até mesmo a
vida animal.
3. O Comunismo escraviza o cidadão, reduzindo-o
a mero instrumento do Partido.
O Comunismo é o ópio do povo porque, colocando
toda iniciativa e responsabilidade sobre o Partido, destrói a personalidade do
homem, e o torna passivo. Nos países do mundo, tais como o nosso, onde o
governo é distinto de um partido, um homem é livre de afirmar a sua
personalidade e de escolher o seu destino. Sob o Comunismo, só há um partido, e
é o Partido Comunista. Suponhamos por exemplo que no Brasil o Partido
Democrático estivesse no poder; suponhamos que os membros desse partido
exilassem ou matassem todos os membros dos outros partidos como
"contra-revolucionários"; poderíamos dizer que um cidadão sob tal regime
era livre de afirmar a sua personalidade? E, no entanto, tal é a filosofia do
Comunismo, onde há somente um partido, e esse partido é o governo.
Necessariamente o homem tem de ser passivo sob um sistema que também afirma que
as leis econômicas são as determinantes da cultura, e que não são as idéias,
porém as mudanças de ferramentas, que determinam as mudanças de civilização.
Paralelo entre Cristianismo e Comunismo.
Note-se a diferença entre a visão Cristã e a
visão Comunista do homem:
a) Para o Cristão, o homem é livre, porque a sua
iniciativa vem de dentro, a saber, da sua alma. Ele pode ser comparado a um
capitão de navio, que é livre de traçar o seu próprio curso e de escolher o seu
próprio porto.
b) Para o Cristão, o homem é um sujeito. Um sujeito
pode determinar suas ações, como o artista pode livremente pintar quaisquer
pinturas que escolher.
c) Para o Cristão há duas espécies de unidade:
unidade político-econômica, e unidade orgânico-espiritual,
23
pela qual nós somos membros uns dos outros no
Corpo Místico de Cristo.
d) Para o Cristão, o homem é um cidadão de dois
mundos, e, em virtude do segundo, ele possui certos direitos inalienáveis, tais
como a vida, a liberdade e a propriedade, dos quais nenhum Estado pode
privá-lo.
e) Para o Cristão, o homem existe não somente no
presente, mas também no futuro. A personalidade é independente do tempo, porque
tem um valor intrínseco em todos os tempos.
f) Para o Cristão, o homem deve determinar a
natureza da sociedade e ser o senhor desta.
a) Para o Comunista, o homem não é livre, porque
a sua iniciativa vem de fora, i. é, do Partido, que dita não somente o que ele
deverá fazer, mas também o que deverá pensar. Ele é como o leme de um navio,
que vai para onde quer que o dirija o comandante, que é o ditador do Partido.
b) Para o Comunista, o homem é um objeto. Um
objeto não pode agir, mas é acionado como um autômato social, e torna-se como o
cinzel na mão de um escultor.
c) Para o Comunista, só há uma espécie de
unidade — a unidade político-econômica, que é realizada não de dentro, por
laços espirituais, mas de fora, pela força, pelo terror e pela propaganda.
d) Para o Comunista, o homem é cidadão de um só
mundo, e, desde que o Estado é tudo, daí se segue que o homem não tem direitos
salvo aqueles que o Estado lhe deu. Por conseguinte, quando o entender, pode o
Estado tirar-lhe esses direitos.
e) Para o Comunista, a personalidade é
relacionada ao tempo. O homem é alienado da sua humanidade no presente, para
atingir uma humanidade duvidosa num paraíso terrestre no futuro. Tal como o
expõe Lenine: "Durante o período da ditadura em que não haveria liberdade,
o povo acostumar-se-ia às novas condições e sentir-se-ia livre numa sociedade
comunista" (O Estado e a Revolução).
24
f) Para o Comunista, o homem é determinado pela
sociedade, completamente absorvido e possuído por ela, e nela perde a sua
identidade como uma gota de água perde a sua identidade num copo de vinho. Em
vez de ser o senhor da sociedade, ele é o escravo dela.
Em resumo: O conceito cristão do homem é ativo — o homem
é livre; o conceito comunista do homem é, necessàriamente, passivo — o homem é
um animal social obediente, cuja mais alta função é realizar o Piatiletka
(Plano Qüinqüenal). Destarte sucede que o Comunismo, que começou por protestar
contra a desumanidade do capitalismo, acabou por descapitalizar o capitalismo
com a sua própria desumanidade. O homem, para o Comunismo, não é um espírito
livre, uma personalidade, porém função de um processo social. O que é primário
no Comunismo é o Partido, e o Partido controla o Estado. Criando uma opinião
pública que ele representa como a única possível, o Estado Soviético torna
impotente a vontade do indivíduo, e guia na direção que bem lhe aprouver a
vontade, aparentemente espontânea e livre, das massas. Mesmo na nova
Constituição proposta na Rússia, aos cidadãos não será permitido votar em
diferentes partidos, mas somente em diferentes homens do mesmo partido. Que
protesto não fariam os brasileiros se cada eleição fosse uma nomeação, e se
eles só pudessem votar numa chapa! Como Troud, o órgão oficial dos operários
soviéticos, o expõe: "A diferença essencial entre a existência de partidos
no Mundo Ocidental e no nosso pais é a seguinte: um partido está no poder e
todos os outros estão na prisão" (13 de Novembro de 1927). O Comunismo
criou uma instituição especial para tornar o homem passivo ao Partido, e tão
cruel foi a perversidade dela, que, por amor da opinião mundial,, julgou-se
necessário mudar-lhe o nome de vez em quando; primeiramente foi a Cheka, depois
a Ogpu, e agora é o Comissariado Interno. Em 1931, quando Lady Astor se
encontrou com Stalin, perguntou-lhe à queima-roupa: "Por quanto tempo
ainda vai o sr. continuar matando gente?" Apanhado desprevenido, Stalin
respondeu: "Por tanto tempo quanto for necessário".
25
A subida de Stalin ao poder.
Mas poderíamos prosseguir, perguntando:
necessário para quê? E a resposta seria: necessário para a vontade do Partido.
E quem é a vontade do Partido? São os indivíduos que o controlam. As lutas
aparentemente profissionais por trás de diferentes ideologias, na realidade,
são apenas a capa de lutas pelo poder promovidas por diferentes indivíduos,
sendo a vítima em cada caso o cidadão-títere. A luta entre os exilados Trotsky,
Kamenev, Zinoviev (este último que concebeu a idéia de mumificar Lenine) e
Stalin é uma triste história de ambição pessoal. Lenine, como deverá ser
lembrado, declarou expressamente no seu testamento que Stalin era demasiado
inclinado a concentrar o poder em suas mãos, para poder ser seu sucessor. Como
foi que Stalin se tornou ditador, isto é a história de como Stalin mentiu a
Trotsky sobre a data do funeral de Lenine, é a história de como ele foi bem
sucedido, no Terceiro Congresso, em fazer que o testamento fosse lido perante
uma comissão escolhida a dedo, e não no plenário; é por isto que o testamento
de Lenine ainda não foi publicado na Rússia.
O verdadeiro ópio do povo.
Não há ópio pior do que aquele que adormece as
personalidades de uma nação reduzindo-as ao estado de formigas que não têm
direitos que o Estado seja obrigado a respeitar. Enquanto o direito do
indivíduo de gozar de liberdade não for considerado como superior à vontade do
Partido, e enquanto a verdade não significar alguma coisa mais do que aquilo
que o Estado prescreve, e a falsidade alguma coisa mais do que aquilo que o
Estado opõe; enquanto a justiça não significar mais do que a mantença de poder
do Partido; enquanto a paz não significar mais do que uma ditadura de ferro; —
o Comunismo deve estar preparado para ser chamado, o que na verdade é, o ópio
do povo. E não o é somente tornando o homem passivo e inerte, é também
martirizando-lhe a natureza, tentando que-
26
brar o molde em que Deus o vazou e expulsar dele
a humanidade pela força, como Pilatos, flagelando a Cristo, tentou expulsar
dele a divindade.
Imaginando o Brasil sob o regime comunista.
Suponhamos por exemplo que no Brasil houvesse
somente um partido; que esse partido se mantivesse no poder por meio da
Polícia, do Exército e da Marinha; e que cada senador ou deputado que
criticasse esse partido fosse exilado ou morto; suponhamos que o Presidente
estabelecesse uma censura tal como existe na Rússia, e que todo livro que fosse
publicado e todo jornal que fosse impresso e todo programa de teatro que fosse
distribuído tivesse de glorificar o partido e de trazer o Imprimatur deste;
suponhamos, além disso, que o Presidente controlasse toda estação de rádio e
toda agência de informações, e não permitisse entrarem no Brasil livros ou
revistas estrangeiras que criticassem o seu partido; e suponhamos que qualquer
suspeita de falta de simpatia expusesse a pessoa à perda do seu emprego, e o
fato de haver pertencido a um partido oposicionista condenasse a pessoa ao exílio;
suponhamos que a polícia pudesse punir alguém sem processo; suponhamos que
todas as nossas casas, fábricas, fazendas e terras fossem postas nas mãos do
partido, para este fazer delas o que bem entendesse, e que as nossas igrejas
fossem convertidas em celeiros e museus — suponhamos todas estas coisas como
acontecendo aqui no Brasil e teremos uma pintura do que sucedeu na Rússia. E,
se eu vos perguntasse o que deveria acontecer-vos antes de renderdes a vossa
atual liberdade e independência — vós diríeis que primeiramente teríeis de ser
prostrados inconscientes. Foi isso justamente o que o Comunismo fez na Rússia
com a sua propaganda — prostrou-os na inconsciência.
Que é o ópio? É uma droga que amortece as
potências intelectuais do homem, mas deixa continuarem as suas funções animais
e vegetativas. Um homem sob a influência dele não pode pensar, mas pode
digerir;
27
não pode querer, mas ainda pode respirar. Por
outras palavras, é como um animal e não como um homem.
Ora, qual dos dois merece ser chamado ópio — a
religião ou o Comunismo? A religião pede intelecto; começa pedindo ao homem
usar a sua razão para descobrir o grande Legislador por trás da lei, o grande
Pensador por trás de todo pensamento, a Beleza Perfeita por trás de toda
poesia. Feito isto, pede à razão estabelecer critérios científicos para julgar
a possibilidade de haver-se Deus alguma vez revelado a nós de qualquer outro
modo que não pela sua atividade criadora; e, uma vez estabelecidos estes
critérios, aplica-os Àquele que apareceu na terra e pretendeu ser o Criador do
mundo. Só depois que esse Pretendente provou a sua Divindade por coisas
divinas, racionalmente reconhecíveis, é que o intelecto opera a sua submissão à
verdade d'Ele. Depois, pegando do telescópio da fé, que não destrói a razão
como o telescópio material não destrói o olho, ele entra em comunicação com
outros mundos com que a razão nunca sonhou. Isso é a religião — e uma religião
assim pede que o homem conserve bem viva a sua razão.
Porém o Comunismo adormece a razão; diz ao homem
que não procure uma causa para este mundo, que não se admire de que a gente
tenha medo de morrer, que não pergunte por que é que uma ação má enche de
remorso a consciência, e uma ação boa a enche de paz. Diz ao homem que tudo o
de que ele precisa para ser um cidadão no Estado Comunista é ter um estômago e
duas mãos; por outras palavras, é ser um animal econômico a amontoar riqueza
para o Estado, e depois morrer, como uma besta, mesmo sem ter um Zinoviev para
o mumificar. Todo regime que faz isto a seres humanos está-lhes negando aquilo
que os diferencia dos animais, e está criando uma nova escravidão em que a
mente e a vontade são atadas com grilhões — escravidão mil vezes mais amarga do
que a escravidão do corpo. Os governos do mundo estão gradualmente fechando o
cerco àqueles que traficam em narcóticos e drogas; e muito breve os povos
inteligen-
28
tes do mundo atentarão sobre o mal feito pelo
ópio que vem da Rússia e da propaganda comunista. Esse ópio já arruinou milhões
de pessoas na Rússia, mas não se deve permitir que arruíne o mundo.
A guerra do Comunismo contra a religião.
A guerra do Comunismo contra a religião
continuará — não num plano intelectual, mas num plano muscular e militar, ou
seja no plano da força. Eles não podem atacar inteligentemente a religião. Eles
nunca conseguiram sequer o direito de discutir sobre ela, porque nada conhecem
dela. Resta, pois, perguntar que fará a força deles? Botarão Deus para fora do
céu? Acaso a sua violência esvaziará dos anjos o céu? A resposta é: Não! Eles
apenas deixarão devastada a terra.
Vimo-los proscreverem a religião na Rússia,
desterrarem o seu clero e matarem o seu povo; vimo-los fecharem as igrejas do
México; vimo-los crucificarem padres na Espanha, abrirem os túmulos de
Religiosas e espalhar-lhes os restos diante das portas da catedral. Vimos os
seus museus anti-religiosos; lemos a sua literatura anti-Deus; mas tudo o que
os vimos e ouvimos fazer e dizer contra a religião não nos convenceu de que não
há Deus. Eles apenas nos convenceram de que há Demônio!
ÍNDICE
Introdução — O Comunismo é essencialmente
anti-religioso....................................................... 3
I. A Religião é o ópio do povo?
........................................................................................
4
A argumentação comunista
..................................................................................................
4
1. "Religião, patrocinando a causa dos
ricos" ...........................................................................
4
2. "Religião, sedativo dos pobres"
.........................................................................................
5
3. "Religião, entorpecente da
humanidade"
............................................................................ 5
Uma distinção a fazer
..........................................................................................................
6
Refutação dos argumentos comunistas
..................................................................................
8
1. A Religião e os ricos
........................................................................................................
8
2. A Religião, defensora dos pobres
.....................................................................................
10
3. A Religião, estimuladora das atividades
humanas.................................................................. 13
II. O Comunismo é o ópio do povo!
................................................................................
17
1. O Comunismo justifica a exploração do
trabalhador pelo Partido ............................................ 17
2. O Comunismo engana o pobre com a esperança
falaz de um paraíso terrestre ........................ 20
3. O Comunismo escraviza o cidadão, reduzindo-o
a mero instrumento do Partido ....................... 23
Paralelo entre Cristianismo e Comunismo
...............................................................................
23
A subida de Stalin ao poder ................................................................................................
26
O verdadeiro ópio do povo
.................................................................................................
26
Imaginando o Brasil sob o regime
comunista...........................................................................
27
A guerra do Comunismo contra a religião
..............................................................................
29
[1] N. do T. — Do Cáucaso.
OBS: a paginação citada segue a obra original.
Título
do original: Communism: The Opium of the People
Copyright.
1937 by Saint Anthony's Guild, Paterson, N.Y.
Adaptação brasileira, autorizada
IMPRIMATUR POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO. E
REVMO. SR. DOM MANUEL PEDRO DA CUNHA CINTRA, BISPO DE PETRÓPOLIS.
FREI LAURO OSTERMANN, O. F. M. PETRÓPOLIS,
10-IV-1952.
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