PRIMEIRA CARTA - A NATUREZA DA FÉ
Pe. Emmanuel-André
A senhora leu com muita atenção certo post scriptum do nosso catecismo e
pede-me para escrever-lhe uma carta respondendo a uma pergunta: «o que é, pois,
a Fé?»
A pergunta é curta, a resposta será longa. Vou lhe escrever uma carta,
duas cartas, três cartas e talvez até mais.
Sem mais demora, entro no assunto.
A senhora tem filhos amáveis e amados que Deus lhe deu; e é por causa
deles que me pergunta: o que é a Fé? Responderei; e precisamente por eles
encontrarei um meio fácil de dizer o que é a Fé.
Note bem: a senhora conhece seus filhos, e sabe que eles são seu filhos,
mas a posição deles em relação à senhora não é exatamente a mesma. Pois, se é
verdade que eles a conhecem, é preciso convir que eles não têm outro remédio
senão acreditar que a senhora é mãe deles. Digo que eles têm de acreditar
porque nunca terão a prova de visu deste fato. Foi a senhora quem lhes disse e
no que ouviram, creram: eles o receberam com uma confiança perfeita, quase se
poderia dizer, cega; pois se uma outra mulher tivesse cuidado deles como a
senhora cuidou, e lhes tivesse testemunhado alguma afeição, eles a chamariam
mamãe, levados por um impulso natural.
Veja por esse exemplo como crer é natural ao homem, pois ele tem
necessidade de crer, primeiramente em seu pai e sua mãe. Nunca sobre esse ponto
o homem pode chegar a uma demonstração, ele deve crer. Isto faz parte da ordem
natural, e ele crê. É por isto que o homem chama seu pai de pai e sua mãe de
mãe.
Assim, os primeiros conhecimentos do homem são conhecimentos não
demonstrados mas aceitos com inteira segurança, confiado na palavra do pai e da
mãe. A criança viverá muito tempo neste estado, em perfeita segurança, sob a
autoridade de seus pais. Diz Santo Agostinho: «É da ordem natural que a
autoridade preceda a razão». E adiante: «A autoridade exige a Fé e prepara o
homem para a razão».
Quando, mais tarde, a razão da criança estiver formada, ela poderá se
basear nela; mas antes disso, é indispensável que o homem creia; é um bem que
lhe é necessário, que Deus lhe preparou em sua paternal solicitude, e que o
homem recebe sem a menor dificuldade. Ouçamos ainda Santo Agostinho: «Uma coisa
é acreditarmos confiados na autoridade, outra na razão. Crer pela autoridade é
muito vantajoso e não dá trabalho».
Vê-se assim como a criança está sob a tutela de seus pais. Ela crê
naquilo que seus pais sabem; crê, sem demonstração, naquilo de que seus pais
têm a demonstração e a evidência. Santo Agostinho diz que é assim na ordem
natural, e protegida por esta ordem natural a criança se sente bem e
efetivamente está bem. Podemos, pois, dizer agora que, assim como a criança
está sob a tutela de seus pais na terra, o cristão está sob a tutela de seu Pai
que está no Céu crendo na palavra de Deus como ele crê na palavra de seu pai, e
tendo Fé em Deus como tem fé em seu pai. E a senhora poderá então compreender
sem dificuldade o que é a Fé.
Chego ao fim a que me propus. A senhora fala a seu filho, ele ouve, ele
crê; é a fé humana correspondendo à autoridade humana natural que Deus lhe deu
sobre seu filho.
E como o pai na Terra tem autoridade para ensinar a seu filho e pode
exigir dele a docilidade, quer dizer a fé, Deus, o Pai dos seres espirituais
como diz São Paulo, tem também autoridade para falar às almas, e para exigir
delas a fé.
O pai sabe uma porção de coisas que o filho não sabe e que o filho deve
crer. Deus sabe também muitas coisas que o homem não sabe, e que deve crer
porque Deus disse, quando deu ao homem a honra de lhe falar.
Veja a semelhança. Ela é perfeita e no entanto é preciso notar uma
diferença considerável que a senhora verá sem dificuldade. A senhora fala a seu
filho, ele acredita no que a senhora diz, é natural. A criança encontra em sua
própria natureza tudo que é necessário para crer. A fé que sua palavra exige dele
não o eleva acima de sua natureza. Mas quando Deus, o Pai dos seres
espirituais, fala à sua criatura, como seu desígnio é eleva-la acima de si
mesma e de fazê-la participar, não mais de uma simples verdade natural, e sim
de uma verdade de natureza divina, portanto superior à natureza humana, em
outros termos, sobrenatural, o homem não encontra mais em sua natureza
capacidade suficiente para receber um ensinamento que o excede e que vença a
distância de Deus ao homem. Então, se Deus quer que acreditem em sua palavra, é
absolutamente necessário que eleve até Ele mesmo, quer dizer sobrenaturalmente,
a faculdade natural que o homem tem de crer. E quando Deus concede este
benefício ao homem, dizemos que Ele lhe deu a graça da Fé. A senhora compreende
agora, porque está dito no princípio do Catecismo que a Fé é um dom de Deus.
Eu creio!
Cartas sobre a Fé – Pe. Emmanuel-André
Fonte: Pe. Emmanuel-André. Cartas sobre a Fé. Disponível em <http://alexandriacatolica.blogspot.com.br/2012/01/cartas-sobre-fe-pe.html>
Desde 17 de Janeiro de 2012.
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