LIVRO «O DIABO,
LUTERO E O PROTESTANTISMO»
CAP. 3: A QUEDA DE LUTERO
SERVO DE DEUS PE.
JÚLIO MARIA DE LOMBAERDE, S.D.N.
A QUEDA
DE LUTERO
A fisionomia da mocidade de Lutero já nos é
conhecida. Esse período de sua existência não foi, de certo, a preparação
condigna para a missão tão sublime de quem se dizia chamado por Deus para mudar
por completo as idéias de um século e reformar a Igreja de Cristo.
Bom é que o leitor saiba logo nada estar eu
adiantando por minha conta e risco. A minha apreciação vai apoiada sobre os
documentos contemporâneos, pois recorri aos melhores autores modernos que
relataram os fatos (*).
Anteriormente vimos as tendências de sua
meninice; estas já se apresentam como sinais certos na mocidade; afinal, na
idade madura, serão fatos consumados. Temos assim, realizada a palavra da
sabedoria:
“O homem não se afastará, na velhice, do
caminho seguido em sua mocidade. O que não juntaste em tua juventude, como o
poderás encontrar em tua velhice?” (Eclesiástico 25,5).
Entremos agora nos meandros da segunda fase
desta existência, tristemente célebre e cinicamente corrupta.
1. O ESTADO DE ALMA E A CONVERSÃO DE
LUTERO
Vimos Lutero exercendo o professorado na
universidade de Wittemberg: aí insensivelmente se precipitou no maiores
absurdos e erros que, por cúmulo de obcecação mental, tomou como “A DESCOBERTA
DA VERDADE”, sepultada pelos antigos.
Pode-se acreditar na sinceridade de sua
conversão? Optamos pela afirmativa, muito embora se possa admitir que o
principal móvel desta mudança de vida tenha sido o temor dos castigos que o
desejo de servir a Deus.
Por que este medo?...
Devido aos dois motivos já expostos: o seu
gênio arrebatado que nos primeiros anos lhe atraíra tantos castigos, e sua vida
livre e desregrada da mocidade. Examinando-se tudo atentamente, nota-se que a
conversão de Lutero, conquanto se tenha como sincera de sua parte, não possuía
fundamentos suficientemente sobrenaturais, para agüentar o peso de seu estado
de sacrifícios preparativos à santidade.
Ingressando no convento, o seu ânimo
irrequieto achou nesta ambiente, quanto nos múltiplos afazeres que o envolviam,
uma preocupação para mantê-lo, relativamente à parte externa, na linha reta do
dever.
Mas o conhecido axioma – OMNE VIOLENTUM NON
DURAT – achou em Lutero a aplicação cabal. Quis sair do mal e praticar o bem;
faltando, porém, o apoio sobrenatural à sua resolução, este seu voluntarismo,
redundando num esforço contínuo, se transformou, para ele, num jugo e num
tormento.
Esta oposição formal entre as idéias, ou
tendências de Lutero, e o seu teor de vida, gerou nele um terrível escrúpulo,
pelos modernos psicólogos denominado OBSESSÃO: estado de alma em mais comum do
que geralmente se cogita, sobretudo entre estudantes e intelectuais.
Para disfarçar a sua realidade,
empresta-se-lhe o nome benigno de neurastenia, nervosismo, mania; no entanto,
fundamentalmente, não passa de uma verdadeira moléstia: a OBSESSÃO ou o ESCRÚPULO.
Ao começar manifestar-se, esta importuna
impressão é mal e mal perceptível, não indo além de um abatimento que inquieta,
de qualquer coisa obscura e AMEAÇADORA. Logo, porém, esta disposição se altera:
o pavor se determina, a IDÉIA fixa aparece como fator principal e pesa sobre
todas as deliberações da pessoa, influindo em sua vida afetiva, sobre tudo o
que faz; numa palavra, tal idéia IMPORTUNA E PACIENTE.
Muitas vezes não ultrapassa os limites de um
simples “talvez”, mas é uma dúvida inquietante a martirizar o doente; tal
estado, afinal, assume, assim, pouco a pouco, aspecto de verdadeira loucura.
Como efeito do fenômeno, o obsesso se vê
assaltado de vacilações da mente, condenado a nunca encontrar certeza,
exatamente nas questões que mais de perto lhe dizem respeito. Basta pretender
ele uma coisa, para logo se lhe apresentarem as mais fantásticas indecisões,
aborrecendo-o e impelindo-o a odiar o que mais amava e apetecia.
Foi em conseqüência desta disposição, que
Lutero viu nas moléstias que o atingiram, até em simples acidentes sem
importância, tremendas ameaças e castigos de Deus. Isto nos revela a sua
decisão repentina de se fazer monge. Desde então já ele era vítima de uma
obsessão de cuja tirania inutilmente procurou safar-se.
Estas ligeiras observações psicológicas acham
confirmação plena nas palavras e nos gestos subseqüentes de Lutero, após a
entrada no convento. Ouçamos algo de seus escrito de 1535, em Wittemberg, já
ex-frade, no seu comentário à epístola aos Gálatas: “Quando ainda monge, julgava-
me perdido, sem salvação possível, sentindo, com tamanha violência, impulsos e
atrativos pecaminosos e uma tendência acentuada à cólera, ao ódio e à inveja,
contra um dos meus irmãos
de hábito. Este mal se renovava
continuamente, não podendo eu encontrar descanso. E prossegue: “Ah! Se tivesse então compreendido
a palavra de Paulo: a carne luta contra o espírito e ambos se hostilizam
mutuamente” (Erl. Com. In Gall. III).
Tudo isso acentua sempre mais a grande
desgraça do escrúpulo ou da obsessão a persegui-lo desde a Infância.
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(*) Além do livro de Grisar e das obras de
Lutero, recolhidas por Weimar, estou seguindo particularmente um autor
holandês: H. J. Achters: “Luther, leven, persoon, leer”, resumo de tudo o que
se tem dito de mais fundado sobre Lutero.
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2. OS ESCRÚPULOS DE LUTERO
Segundo vimos, nosso homem era nada menos que
um escrupuloso e um obsesso pela idéia fixa do rigor de Deus.
Desconhecendo a influência deste estado
psicológico numa pessoa, os protestantes não o admitem em Lutero, e chegam a
atribuir erradamente ao Catolicismo as mazelas todas do "reformador".
É que, para eles, CHEFE tem de ser sempre o HERÓI, cuja sede da verdade e cujos
anseios de paz com Deus não encontraram na Igreja Católica possibilidade de
serem satisfeitos.
Aí estão, para atestar o estado anormal do
espírito de Lutero, hsitoriadores de renome, homens de primeiro valor, como
Grisar, Denifle, Paquier, Duinster, etc. Otto Scheel, escritor protestante,
atesta ter sido Lutero frequentemente repreendido durante o seu noviciado, porque,
perturbando-se continuadamente, enxergava todas as coisas através do prisma dos
seus escrúpulos, segundo os quais tudo era pecado.
Qual a causa de tão aflitivo estado d´alma?
Simplesmente a falsa concepção de Lutero
sobre a graça divina. Por certo ele aspirava gosar aquela paz e alegria
infundida pela graça no espírito; não lhe era suficiente a certeza moral de
estar bem com Deus; desejava obter uma prova sensível, esta consolação que, às
vezes, Deus concede a algumas almas generosas e frequentamente recusa a outras.
Superiores e mestres espirituais
apontaram-lhe o erro. Tempo perdido. Lutero seguiu a sua própria idéia, a
ninguém querendo submeter-se.
Foram impotentes para remediar o mal as
violentas práticas de mortificação a que de contínuo recorria. O defeito era de
outra natureza, pois não passava de uma espécie de "ultimatum"
lançado à face de Nosso Senhor.
Já Santo Agostinho se expressava
admiravelmente a respeito: VIS FUGERE A DEO, FUGE IN DEUM - quem quiser fugir
de Deus, nele se refugie. O pobre Lutero muito ao invés, parecia nunca haver
sentido a doce e consoladora intimidade com Deus, lançando-se cegamente nas
garras do demônio, quando era o seu lugar o regaço carinhoso do Pai.
Em vista de tão lastimável estado, foi ele
aos poucos abandonando as orações prescritas aos sacerdotes, e se absorvia, de
corpo e alma, na atividade exterior, envolvente, materializante, e tanto que, em 1516, escrevia assim a Lange:
"Raramente me sobra tempo para rezar o breviário e celebrar a missa;
acrescentem-se a isto as tentações que padeço". (Wette I, 41).
Eis aí iminente a desgraça de Lutero. Era um
vencido, a entregar as armas, capitulando vergonhosamente.
O pobre monge começou, desde aquela hora, a
indagar de si para si: por que não encontro eu a paz e a satisfação no
convento? Por que me sinto hoje mais desanimado do que nos primeiros dias de
noviciado? Após tantos esforços nada consegui. E se não me salvar no papismo,
haverá possibilidade de algum outro o conseguir?... (Wachters; Luther, 46).
Perante seu espírito turbulento e povoado de
revolta surgiu então o fantasma do erro. Veio em seguida a indagação: Não
haverá na natureza humana um foco de inclinações perversas, mais pujante do que
a nossa vontade, o qual nos consome, sendo-nos impossível apagar-lhe as chamas?
E, dando ouvidos ao seu caráter voluntarioso
e às idéias pessoais, concluiu afinal: "A natureza humana está corrompida
pelo pecado original, até às últimas fibras, e o desejo do mal é
invencível". (Jaques Maurtain: Trois Refomateurs 1925).
Era a queda irremediável, a heresia formal.
Destarte se estabeleceu a fonte de todos os seus erros e culpas. O desastre
teve como ponto de partido o escrúpulo, a obsessão, o medo de Deus, a rebelião
contra tudo e contra todos. E tal espírito doentio jogou-o no abismo. Sabe-se
aliás, que um escrupulosos, de um dia para outro, pode cair no excesso oposto
ao de seu escrúpulo.
Para muitos tal disposição conduz a um
laxismo corruptor. Para Lutero, porém, levou-o à fundação de uma nova seita
religiosa.
3. CONCLUSÃO
Lutero se pervertera, pois, de corpo e alma.
Desde então era um decaído, entregue ao vício, perdido em deboches. E, com
pouco tempo mais, um revoltoso em franca rebelião contra a sociedade, contra a
Igreja e contra Deus.
Narrando este seu estado de ânimo, disse
certa vez: "Todos aqueles aos quais eu comunicara o meu estado, me diziam
logo: Não compreendo a sua dificuldade. E refletia: será que sou o único a
debater-me em situação tão triste, somente eu é que sou tão tentado?... De
fato, em toda parte eu via visões horríveis e aparências de fantasmas".
(Hausrath: Luther leben, p. 30).
Mesmo a confissão, que a todos os cristãos
traz alívio e paz, veio a ser, para ele, uma fonte de tormentos. Desanimado,
procurava recurso de salvação, sem lograr encontrá-lo. Lutero olvidara o doce
Cristo que dissera: "Vinde a mim todos vós que sofreis a vos achais
carregados, e eu vos aliviarei" (Mat XI, 28).
“O Jesus do tabernáculo, prisioneiro do amor,
não era para ele mais do que um juiz encolerizado, sentando-se ameaçador sobre
um arco-íris" (Wachters, p.44). “Confesso-te, dizia a um amigo, ainda no mesmo ano de 1516, que a minha vida
mais e mais se aproxima do infoerno; torno-me sempre pior e mais execrável”.
(Enders I, 16).
Pouco tempo antes, (1515), comunicando seu
estado d´alma ao superior, Pe. Staupitz, revelou-lhe dolorosamente: "Sou
um homem exposto e implicado na má sociedade, na crápula, nos movimentos carnais, em negligências e noutros
incômodos a que se vêm juntar os do meu próprio ofício" (Wette I, 232).
Tais palavras deixam entrever com clareza o
que era no íntimo a alma de Lutero. Excessivamente orgulhoso a ninguém queria
sujeitar-se. Em certos momentos, porém, por mais humilhante que tal se lhe
afigurasse, escapava-lhe a confissão da verdade, quais as abafadas labaredas de
um incêndio interior, forcejando evadir-se.
Depois, qualquer ocasião favorável
mudar-lhe-ia a obsessão em revolta externa a entregá-lo, acorrentado, ao
domínio das paixões mais abjetas que não conseguira vencer, por desprezar os
meios adequados, não renunciar às idéias fixas e esquivar-se à obediência.
Convertera-se POR MEDO. E ainda o medo fá-lo-á depois cair no lamaçal do vício.
O amor para com Deus e as almas não lograra
apossar-se de seu coração. E foi preenchido este vácuo pela rebelião, pelo
rancor odiento e pelas baixezas carnais.
Não o impressionou em absoluto a bondade
divina. Isolado, porém, na sua miséria, envolto na soberba, quis ditar leis ao
próprio Deus e a ele se impor. Então Deus se afastou do miserável que o
repelira, deixando-o entregue aos instintos da própria perversidade.
Deus dá a sua graça aos humildes, mas resiste
aos soberbos (Pr 3,34).
CONTINUA
NO CAPÍTULO 4
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