LIVRO «O DIABO,
LUTERO E O PROTESTANTISMO»
CAP. 2: UM RETRATO AUTÊNTICO
SERVO DE DEUS PE.
JÚLIO MARIA DE LOMBAERDE, S.D.N.
UM
RETRATO AUTÊNTICO
Dizem os amigos protestantes que Lutero foi o
enviado especial de Deus para reformar a Igreja Católica decaída, ou melhor:
levantá-la da morte e sepultamento no lamaçal dos maiores vícios e torpezas.
Faz-se mister descomedida audácia para lavrar
a certidão de óbito da Igreja fundada por Jesus Cristos, à qual prometeu ele a
sua perpétua assistência e a preservação de todo erro.
Ademais, é preciso uma superabundante dos de
ignorância da história para desmentir fatos conhecidos e zombar de todos os
historiadores antigos.
Como é que, antes de Lutero, autor algum
jamais nota tal ausência da Igreja verdadeira, aspirando surgisse qualquer
taumaturgo para ressuscitá-la, tirá-la do sepulcro ou que o próprio Cristo
viesse reabilitá-la, clamando, bem alto, com o mesmo poder com que levantara
Lázaro: Igreja, sai para fora deste túmulo?!
Nada de tudo isso; somente, após
transcorridos quinze séculos, os protestantes descobriram este total
desaparecimento da Igreja. Segundo eles, Deus suscitou enfim o homem desejado
possuindo missão superior ao maior dos profetas e mensageiros divinos,
instrumento do Altíssimo, capaz de reconstruir a obra de Jesus Cristo e restituir-lhe
a primitiva beleza evangélica. Tal indivíduo foi Lutero.
Examinemos num instante a história de sua
vida, as suas qualidades e obras; estudemo-la sem exageros, com toda
imparcialidade, visando apenas os fatos provados historicamente, para vermos
se, de fato, o pai do protestantismo ostenta credenciais de sua missão divina,
pois duma árvore boa, conforme a sentença do Divino Mestre, há de sair uma
produto bom, e de uma arvora má virão frutos maus.
1. PRIMEIROS ANOS DE LUTERO
Nasceu Lutero em Eilesben, aos 10 de novembro
de 1483.
Seus pais eram pobres camponeses, católicos
sinceros, segundo Melanchton; a mãe de Lutero era mulher virtuosa e dedicada à
piedade. Quanto ao pai, se dermos crédito ao próprio Lutero e contemporâneos,
era um homem rude, violento, quase cruel. E é à violência do pai do pai que a
princípio o educara sem carinho e desvelo, que o “reformador” atribuía o ódio
por ele votado à humanidade inteira.
Aos 6 anos de idade iniciou os estudos em
Mansfeld, na escola pública, onde constas ter sido castigado constantemente, o
que vem demonstrar seu gênio irrequieto, turbulento, sempre levado aos
extremos.
Sobre seu tempo de escola, deixou ele mesmo
esta nota “A nossa escola era um inferno e um purgatório onde nos atormentavam
com declinações e verbos.
O professor era um algoz. Numa só manhã
chegou e espancar-me quinze vezes”. Aos quatorze anos dirigiu-se nosso herói
para Magdeburgo, onde estudou por algum tempo sob a direção de religiosos;
depois, vamos encontrá-lo em Eisenach, mendigando pelas ruas, cantando e pedido
esmolas para sustentar a vida. Foi nessa ocasião que uma piedosa viúva,
comovida pelo estado lastimável do pequeno mendigo e por sua bela voz,
acolheu-o, adotando-o como filho (Luther, por H. Wachters).
Devido aos cuidados de sua benfeitora, que
lhe pagou os estudos, o menino freqüentou a escola latina dos Franciscanos. Em
1501 o estudante saiu de Eisenach, para ir terminar os estudos em Erfurt, onde,
durante três anos e meio, cursou a universidade, aí colando grau de bacharel e
mestre em ciências; no primeiro título conseguiu o 13º. Lugar entre 57 alunos,
e no segundo, o 3º. Lugar, o que indica que, como mestre, se revelou ele de uma
inteligência bastante viva, embora não genial.
Findos os estudos, pretendia Lutero começar
os cursos de Direito Canônico e civil, o que fez apenas durante um mês. De
repente, sem mais nem menos, abandonou a universidade, voltando para Mansfeld,
lugar onde começara a sua instrução primária. Logo depois seguiu para o
convento. Aqui nos deparamos com o mistério da vocação de Lutero.
2. A VOCAÇÃO DE LUTERO
Até essa data nada apresentava o menino como
sinal provável de chamado divino para a vida sacerdotal ou religiosa.
De estudante católico que era, sem traço
algum capaz de distingui-lo, com temperamento colérico e irrequieto, repentinamente
se resolveu a deixar o mundo e retirou-se ao Claustro.
A respeito de tão súbita resolução, correram
diversas lendas que as modernas pesquisas históricas põem em dúvida ou
desmente. Numa carta ao pai disse Lutero, certa vez, que o medo das “ameaças de
morte” lhe arrancara uma “promessa involuntária”.
Houve quem procurasse saber a que ameaças ele
se referia.
Cogitam alguns de assassinato; outros pensam
em duelo; certos, de um raio que caíra ao seu lado, impressionando-o
consideravelmente.
Tudo isso poder ser verídico, mas não
convence.
Em certa ocasião, em palestras com amigos, o
“reformador” se referiu a um desastre que com ele dera, quando acompanhado de
um amigo, nas cercanias de Erfurt. Fazendo exercícios com armas, ele feriu, sem
o querer, a própria perna; tão abundante foi a perda de sangue que pensou
chegado a hora da morte. Temendo o perigo, invocara a proteção da Santíssima
Virgem, prece que repetiu depois.
Noutra feita Lutero disse que, ao regressar
de uma viagem a Mansfeld, surpreendeu-o violenta tempestade; uma faísca
elétrica lhe caiu aos pés, enchendo-o de pavor; nesta ocasião teria exclamado:
Valei-me Sant´Ana; quero ser monge. Teriam sido tais acontecimentos a causa da
vocação de Lutero?
Se ele nunca tivesse pensado antes em seguir
a vida monacal, por certo teria feito qualquer outra promessa; mas o fato de
voltar o seu pensamento para a vida religiosa parece demonstrar que desde algum
tempo nutria tal idéia, não correspondendo ao chamado do Alto por deficiência
de coragem. Vendo-se em perigo de vida, julgou ser isto um castigo de Deus e
prometeu realizar o que já considerava
como vocação. Parece ser esta a opinião mais admissível.
Certamente Lutero fez logo o que prometera.
Pela última vez reunião os amigos em festa íntima e, no fim, convidou-os a
acompanhá-lo. Relutaram. Afinal o seguiram, conforme lhes pedira. Deste modo, a
16 de julho de 1505 Lutero ingressava no Convento dos Agostinianos em Erfurt.
“Entrei para o Claustro, explica ele, porque
estava desesperado de minha salvação”.
Ali a vida de nosso pretendente foi dividida
entre a oração, o estudo da Sagrada Escritura e dos escritos dos santos padres.
As constituições dos Agostinianos prescrevem
aos aspirantes: ler atentamente, escutar com devoção e decorar as passagens principais
da Escritura Sagrada; e, para este fim, no dia da profissão, cada monge recebe
um exemplar completo da Bíblia.
É a refutação radical aos historiadores
protestantes que divulgam ter sido a Bíblia escondida cuidadosamente e até
ligada por meio de correntes de ferro, para Lutero não a poder ler.
Felizmente os próprios protestantes já
refutaram tal absurdo. Ouçamos Otto Scheel: “Não passara um dia sem que a
leitura da Bíblia não houvesse enriquecido a alma de Lutero: nela encontrara
consolação, luz e felicidade” (Scheel-II:2). Sua vida como religioso nada
oferece digno de nota; pequenos fatos, no entanto, manifestam, vez por outra, o
seu caráter inquieto, propenso sempre a excessos, parecendo considerar a Deus
não como pai cheio de bondade, mas como juiz rigoroso.
A crônica dos monges do convento do Lutero
refere que um dia, ao recitarem o ofício, ao ser lida no Evangelho a história
do surdo-mudo possesso pelo demônio, de repente o nosso herói caiu no chão, e,
em contorções horríveis, exclamou: Não sou eu! Não sou (o possesso) (Grisar
44).
Falando de sua vida monacal, disse ele certa
vez: “Atormentei-me, rezei, jejuei, vigiei e tanto frio sofri que seria
bastante para matar-me” (Grisar, p.57). Estes fatos todos revelam uma moléstia
nervosa, histérica, ou grande desequilíbrio de consciência; no entanto, em tudo
isso não viram os superiores impedimento sério para a vocação do jovem monge, e
em 3 de abril de 1507 Lutero foi ordenado sacerdote na catedral de Erfurt,
celebrando sua primeira missa aos 2 de maio do mesmo ano. Nesta ocasião, quando
recitava a oração: Te igitur, no começo do Cânon, o neo-padre foi tomado de um
tal medo de Deus, que teria fugido do altar, se o sacerdote assistente não o
houvesse acalmado.
Em 1515, quando ao lado de seu superior
assistia à procissão do Santíssimo Sacramento, tamanho pavor da proximidade de
Deus o invadiu, que ele se pôs a tremer da cabeça aos pés (Tischreden W.;I. n.
137).
Lutero era sacerdote para a eternidade... e
nada neste mundo ou no outro, seria capaz de apagar o caráter sacerdotal que em
suas mãos devia ser um meio de salvação para muitos e não, como se tornaria em
breve, um instrumento de perdição.
3. ESTUDOS INCOMPLETOS DE LUTERO
Temos agora diante de nós o monge recém
ordenado, no limiar de sua vida nova. Logo uma primeira observação se apresenta:
em 1505 entrara Lutero para o convento; em 1507, dois anos após, foi ordenado
sacerdote. Tão curto intervalo foi apenas o tempo necessário para fazer o seu noviciado
ou aprendizagem, donde se depreende ter ele feito curso irregular de Teologia,
que só veio a estudar depois da ordenação.
Que dizer deste novo período de sua vida?
O próprio Lutero explica: "... eu sou da
escola de Occam, autor e propagandista-mor do nominalismo", sistema que
negava o valor objetivo das idéias, de maneira que o homem não pode ter nenhuma
certeza da metafísica, caindo, necessariamente, no ceticismo.
Verdades, por exemplo, como a imortalidade da
alma, a existência, a unidade, bondade e misericórdia de Deus, não caem sob a
competência da razão, só podendo os homens conhecê-las através da revelação.
Destarte o papel da inteligência se torna
muito restrito, e mais limitado ainda o da fé e o da revelação.
A simplificação visada por Occam objetivava a
supressão do ensino escolástico, cuja doutrina admite tornarem-se as verdades
de fé mais acreditáveis pelo auxílio da razão.
Tão perversora a doutrina havia penetrado em
muitas escolas, e até consta que os monges Agostinianos de Erfurt a
professavam.
Embora o nominalismo não atacasse diretamente
as doutrinas da Igreja, não deixava, contando, de colocar os estudantes num
perigoso declive que facilmente poderia conduzi-los ao erro.
Aqui temos, pois, o início e, quiçá a base
dos erros do patriarca protestante; duplo é este fundamento: a deficiência de
estudos teológicos e as doutrinas falsas de Occam, que envenenaram os primeiros
passos teológicos do pretenso reformador.
Pouco depois da sua ordenação, foi Lutero
transferido para Wittemberg; ali encontrou o vigário geral da ordem, Pe. Staupitz, que
desempenhava, além do cargo d3e superior, o de professor de exegese na
universidade local.
Devendo, Staupitz, visitar, de vez em quando,
as residências da província, mal podia dar cumprimento ao seu ofício, pelo que
cogitava desistir e passar a cátedra de mestre a um sucessor da mesma ordem.
Para substituí-lo, pensou em Lutero e aconselhou-o a se preparar, para tirar o
bacharelato em Sagrada Escritura, afim de se habilitar a exercer o cargo de
professor desta disciplina.
Efetivamente Lutero seguiu-lhe o conselho. E
em 9 de março de 1509 colou grau de mestre na referida matéria.
Estudos assim precipitados e acumulados
permitiram-lhe conquistar o ambicionado posto, mas não lhe deram o tempo de
assimilar as doutrinas vistas, motivando isso, no espírito dele, uma verdadeira balbúrdia de idéias, sem fundamentos,
sem provas e sem nexos.
Grisar observa que, mesmo em Elbstad, foram
falhos os estudos do “reformador”.(Grisar, 43). - De Wittemberg transferiram-no
para Erfurt, novamente, para que desempenhasse ali o professorado como leitor
de teologia, que estudara com pressa, incompleta e erradamente.
4. VIAGEM A ROMA
Em Erfurt o novo leitor de teologia foi
encontrar dupla guerra: - na cidade onde encontrara uma insurreição popular, e
no convento dos frades Agostinianos no qual a discórdia era de espécie diferente.
A Congregação abrangia nesse tempo duas
províncias: a parte alemã, mais rigorosa na
observância das regras, e a saxônica, um pouco mais mitigado no rigor
primitivo.
Tendo sido o Pe. Staupitz nomeado Vigário
Geral provincial, para a Alemanha, procurou reunir as duas províncias sob sua
alçada, nelas introduzindo a observância rigorosa.
A Santa Sé favoreceu esta medida de união,
permitindo também que as duas partes se reunissem e escolhessem um só Vigário Geral.
A escolha recaiu em Staupitz. Isto agradou a
quase todas as casas.
Sete entre as da província alemã resolveram
protestante e entre elas estava o convento de Erfurt. Foi enviada uma deputação
a Roma para defender os interesses dos insubmissos, perante a Cúria Romana;
Lutero integrava esta comissão.
Que impressão trouxe ele da Cidade Eterna?
Uma visão toda materialista, como se descobre
pelo seu modo de descrever o que vira ali.
Não tinha o “reformador” alma de artista,
para admirar grandezas, panoramas, antiguidades; nem possuía um espírito
perspicaz capaz de penetrar e ler a história nos monumentos. Pouco empenho lhe
ofereceu a estadia na grande metrópole do Cristianismo. Desejava ver o Papa e
não o conseguiu, pois o Santo Padre estava então em viagem pelo norte da
Itália. E a reclamação contra a união das duas províncias agostinianas não foi
aceita por Roma, o que contrariou bastante o frade descontente.
Somente dez anos após este fato é que entrará
ele a bradar contra os pretensos abusos da Igreja Romana.
Parece que Lutero não retornou mais a Erfurt,
mas foi logo se fixar em Wittemberg, onde continuou a estudar teologia. Em
outrubro de 1512 aí recebeu o barrete e anel doutoral na matéria; no mesmo mês
começou a lecionar Sagrada Escritura, substituindo Staupitz. Neste ponto é que
Lutero começou a manifestar os e=seus erros de princípios, e a sua ignorância
em assuntos teológicos.
Em 1515 iniciou ele a explicar a Epístola de
São Paulo aos Romanos, e foi da má compreensão e interpretação desta carta
paulina que o professor extraiu os erros sobre a graça e a salvação.
5. OS DOIS GRANDES ERROS DE LUTERO
Dois foram os erros fundamentais do novo
catedrático – primeiro: só a Bíblia é a regra suprema de fé; segundo: o homem é
justificado só pela fé e as boas obras de nada valem para a justificação.
Desde esse tempo apareceram como pontos
básicos de todas as suas doutrinas esses dois erros.
A primeira destas regras de crença substitui
a autoridade da Igreja, supremo juiz em questões de fé, pelo livre arbítrio, infligindo, assim um
golpe infernal na unidade visível da cristandade. A outra perverte toda a
doutrina das relações entre a criatura e o Criador.
Combinados, estes dois princípios subversivos
produzem a mais tremenda desordem moral nas almas e na sociedade.
Teria Lutero aprofundado a extensão destes
seus postulados de crença? Impõe-se-nos imperiosa a questão e a resposta é de
longo alcance.
Julgamos que não.
Não há dúvida de que Lutero tinha
inteligência; era, porém péssimo psicólogo; segundo vimos atrás haviam sido
feitos com precipitação os seus estudos teológicos, mal assimilados e muito
superficiais; era mais filósofo do que teólogo, revelando-se sutil no
raciocínio, mas fraco em doutrina revelada. Esta asserção encontra prova a cada
passo em seus escritos.
Demais, ele era de caráter altivo,
orgulhosos, com uma inclinação natural demais acentuada, para a revolta. Um
homem desse quilate é geralmente teimoso.
Durante quinze séculos a Igreja interpretara
e expusera a Bíblia à luz de sua tradição, de sua própria história e, infalível
no seu ensino e nas suas decisões a respeito, fora a regra viva de fé no
passado.
O monge rebelde não atinou com o valor e a
segurança desta autoridade suprema, e o seu orgulho supremo levou-o a crer que
o homem é a sua própria regra de fé. Para ele não havia outra fonte de verdade
revelada senão um livro mudo (embora inspirado) de que cada indivíduo é
constituído juiz. Este livro, portanto, tem de ser o guia e a norma de fé para
todos indistintamente, tornando-se todos
infalíveis, excluídos, naturalmente, os sacerdotes, os bispos e o Papa.
Lutero não tolerava a existência de um homem
infalível na Igreja; mas, por cúmulo de contradição, admitia serem os
indivíduos todos infalíveis, exceto o Pontífice de Roma, que na verdade é o
único infalível por divina instituição.
Em teoria tal era a doutrina de Lutero,
embora na prática não aceitasse que ninguém contradissesse às suas opiniões.
O princípio: - “a justificação só pela fé” –
era igualmente deletério e perverso, pois deveria produzir os mais desastrosos
resultados numa sociedade decaída.
Conforme o ensino católico, a fé que
justifica é uma fé viva, isto é, fundada na revelação e informada pela
caridade.
Lutero não que saber de caridade; para ele
basta possuir confiança em Deus e ele, por amor a Cristo, não mais nos imputará
os nossos delitos, mas nos tratará como inocentes e santos. Para salvaguardar
uma idéia tal, não trepidou Lutero em falsificar o texto de São Paulo (Romanos
3,28). O apóstolo escrevera: “julgamos que o homem é justificado pela fé, sem
as obras da lei (mosaica)”. O “reformador” transcreve o texto assim: “O homem
‘justificado só pela fé”.
Vê-se logo a perversidade do falso
intérprete. São Paulo pretende mostrar que que, para alguém se salvar, não
basta executar apenas as obras prescritas pela lei de Moisés, mas que, além
disso, é mister possuir fé em Deus;
Lutero, porém, depois de liquidar as obras da lei mosaica, suprimiu, ainda as
da nova lei, contentando-se unicamente com a fé.
E, como na Epístola de São Tiago se lêem
estas palavras textuais: “O homem ‘justificado pelas obras pela fé, e não pela
fé somente” (Tiago 2,14-28), o inovador taxou esta epístola de “Epístola de palha”.
Tal é a “grande” descoberto de Lutero, que
constituía para ele a suprema novidade, mas que, para o mundo, não era mais que
a grande heresia.
Neste seu peculiar modo de entender a Bíblia
apalpa-se a sua falta de conhecimento seguro.
Está aí o princípio da decadência do
“reformador”, cujos fundamentos remotos o vimos beber na errônea filosofia
nominalista que seguira desde os bancos de escola superior.
6. CONCLUSÃO
Aí fica a primeira fase da vida de Lutero.
Visto através dum olhar superficial, nada ainda se apresenta de muito
importante; no entanto, no âmago desta alma irrequieta, graves problemas se
agitavam.
É que as grandes quedas não se realizam de
repente, como as grandes virtudes não se adquirem num dia.
Querer julgar Lutero pelos acontecimentos em
que passou a exercer influência preponderante na época é recolher efeitos como
se fossem causas, e atribuir a um destino cego aquilo que na verdade é uma
conclusão final.
A primeira educação na casa paterna, os
primeiros estudos, o ambiente em que se encontrava, a conversão – tudo isso
constitui necessariamente a trama que devia moldar o caráter e orientar as
tendências de Lutero.
Pelas notícias que nos ficaram dos seus
tempos escolares nota-se que ele fora um menino traquinas, insubordinado,
colérico, e dado à independência e insubmissão. Não se castiga continuamente um
aluno bem comportado e exemplar. E Lutero foi punido a toda hora.
Não concorde e sempre reclamando contra penas
e ordens, de contínuo avesso a quem não lhe seguisse às idéias, assim cresceu o
futuro “reformador”.
Pertencendo a uma época bastante viciada,
privado de carinho e vigilância, a estrada de corrupção precoce estava
largamente aberta em sua frente, prometendo saciar-lhe os instintos...
Ao orgulho juntou-se a imoralidade. A
acusação é grave. Exige provas. Ei-las:
Referindo-se à sua vida anterior à conversão,
deixou ele um dia escapar estas palavras: “Sim, fui um grande, triste e
vergonhoso pecador; tive uma juventude culpada” (Weimar, 26, 508).
Relacionados também com este período da vida
de Lutero há dois documentos contemporâneos, bem desfavoráveis à integridade de
seus costumes.
O primeiro é de Jerônimo Dumgersheim, que,
num escrito contra o herege, assacou-lhe publicamente os maus hábitos de sua
vida de estudante, continuados depois, e causadores de sua apostasia.
Noutra parte o mesmo autor falou de faltas
graves, e apelou para o testemunho de um daqueles camaradas que depois o
acompanharam até à porta do convento.
O segundo depoimento de Jerônimo Emser que
conhecera Lutero quando estudante em Erfurt.
Em 1520, numa polêmica, o monge revoltoso
lembrou alguns deslizes do seu adversário. Emser, que não era irrepreensível,
retrucou-lhe no mesmo tom: “Ignoras talvez que a teu respeito eu saiba de
faltas bem graves?...” E Lutero não prolongou o ataque, ele que nunca deixava o contendor sem resposta!... Aí ele emudeceu e nem a
Dumgersheim, nem a Emser respondeu palavra.
Tudo o que foi dito neste capítulo faz sobre-sair
em cores bastante vivas a primeira fase da vida
que estamos expondo.
CONTINUA
NO CAPÍTULO 3
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