segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O Sacramento da Confirmação - II

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O Sacramento da Confirmação - II   
Dom Henrique Soares da Costa, Bispo de Palmares (PE).
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No último artigo sobre os sacramentos começamos a apresentar a Confirmação. Já expliquei o sentido deste sacramento; hoje veremos como a Igreja fundamentou-o biblicamente. Uma coisa, mais uma vez, é necessário deixar claro: a Sagrada Escritura, com toda a sua riqueza de Palavra de Deus, somente pode ser compreendida de modo correto e pleno quando lida em consonância com a Tradição da Igreja, que nos traz também a divina revelação. Compreenderemos bem a fundamentação bíblica da Confirmação se compreendermos o modo como a Igreja leu a Escritura e a interpretou inspirada pelo Santo Espírito e também o modo como a Igreja, desde as origens celebrou os sacramentos.

Então, vejamos. Já no Antigo Testamento encontramos o dom do Espírito de Deus como força que transforma aqueles que foram escolhidos por Deus para alguma missão em favor do povo de Israel e do plano salvífico de Deus. No Novo Testamento, tempo do Messias (aquele que é Ungido com o Espírito) esta ação do Espírito revela-se em toda a sua plenitude. O Cristo, pleno do Espírito, vem derramar seu Santo Espírito, dando início, com a sua morte e ressurreição, ao tempo da Igreja, que é tempo do Espírito Santo – é o Espírito quem sustenta, orienta e motiva a Igreja na sua missão de testemunhar o Cristo diante do mundo. É aqui que entra o sacramento da Confirmação. Eu já expliquei que no Batismo recebemos o Santo Espírito como vida de Deus que nos vem pelo Senhor Jesus; pela Confirmação este Espírito nos é dado como força de Deus para que assumamos na Igreja e com a Igreja nosso papel de testemunhas de Cristo! Por isso mesmo a Confirmação é o sacramento da maturidade cristã! Vejamos como esta idéia aparece na Escritura Sagrada.

Na noite mesma da Páscoa, naquele Domingo, os apóstolos receberam o Espírito Santo: Jesus soprou sobre eles e os batizou (mergulhou) no seu Espírito de ressurreição (cf. Jo 20,21ss). Ali os apóstolos tornaram-se cristãos, receberam a vida nova do Cristo ressuscitado. Tal experiência dos apóstolos, nós também a fazemos no nosso Batismo: aí recebemos, como eles, a nova vida em Cristo e nos tornamos novas criaturas pelo poder do Espírito Santo: “Fostes lavados, fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus” (1Cor 6,11).

Quando apresentei o sacramento do Batismo deixei bem claro que já aí recebemos o Espírito! Não vou mais insistir. Então, a experiência dos apóstolos no Cenáculo, na tarde do dia da Ressurreição equivale ao nosso Batismo. Já no dia de Pentecostes, a comunidade dos discípulos de Jesus recebeu o Espírito Santo de um modo novo, diferente daquele do dia da Ressurreição: agora o Espírito é dado em função da missão de testemunhar Jesus e da construção da Igreja no mundo: “O Espírito Santo descerá sobre vós e dele recebereis força. sereis, então, minhas testemunhas... até os confins da terra” (At 1,8).

Este evento é para toda a Igreja: todos são chamados a ser plenificados pelo mesmo Espírito do Senhor. Assim, os cristãos, após serem mergulhados (= batizados) no Espírito do Cristo ressuscitado, devem ser plenificados com o Espírito de força, que unge para a missão, para o testemunho, participando, assim, da missão salvífica do Cristo Jesus. Ora, desde os tempos apostólicos (e veremos no próximo artigo que a Tradição constante da Igreja o atesta) isto ocorre com um rito próprio que, profundamente ligado ao Batismo, é bastante diferente em relação a ele, já que é conferido à parte, como desenvolvimento, amadurecimento e plenitude do dom da vida batismal; tal rito tem o poder de conferir o dom do Espírito Santo de força e testemunho através do rito de imposição das mãos. Este dom do Espírito como força para o testemunho é concedido após o Batismo: “Convertei-vos e seja cada um de vós batizado em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos pecados, e recebereis depois o dom do Espírito Santo” (At 2,38). A afirmação é interessante: no Batismo já recebemos o Espírito que concede a remissão dos pecados; mas somente após, recebe-se o dom do Espírito (aqui está aquilo que é próprio da Confirmação)! Um outro texto que aponta para a Confirmação é o de At 8,14-17): “Os apóstolos, que estavam em Jerusalém, ao saberem que a Samaria acolhera a palavra de Deus, para lá enviaram Pedro e João. Estes desceram, pois, para junto dos samaritanos e oravam por eles, a fim de que recebessem o Espírito Santo. Porque ainda não viera sobre nenhum deles, mas somente tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus. Impunham-lhes, pois, as mãos, e eles recebiam o Espírito Santo”. Mais uma vez, para que fique bem claro: aqueles samaritanos já tinham sido batizados, já tinham recebido o Espírito Santo (releia os artigos sobre o Batismo: neste sacramento recebe-se o Espírito como Vida de Cristo ressuscitado); agora, pela imposição das mãos, recebem o dom do Espírito, como força do Ressuscitado para a missão – eis o sacramento da Confirmação! Vejamos mais um texto, muito interessante: “(Em Éfeso Paulo) encontrou alguns discípulos e lhes perguntou: ‘Recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?’ – Mas eles responderam: ‘Nós nem sequer ouvimos falar do Espírito Santo!’ Paulo perguntou: ‘Então que batismo recebestes?’ Eles responderam: ‘O batismo de João’. Paulo continuou: ‘João ministrava um batismo de conversão e pedia ao povo que cresse naquele que viria depois dele, isto é, Jesus’. Eles o escutaram e receberam o Batismo em nome do Senhor Jesus. Paulo lhes impôs as mãos, e o Espírito Santo veio sobre eles: falavam em línguas e profetizavam” (Ef 19,1b-6). Compreendamos! Paulo vai a Éfeso, encontra na comunidade cristã um grupo de doze pessoas; Paulo supõe que sejam cristãos, que tenham sido batizados. Ele deseja saber se receberam também a Confirmação: “Recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?“ – Em outras palavras: fostes também confirmados com o dom do Espírito?” Para sua surpresa, aqueles lá ainda não eram cristãos; a catequese tinha sido mal feita: “Nós nem sequer ouvimos falar do Espírito Santo!” Paulo se espanta! Como pode ser, se já são cristãos, se já receberam o Espírito Santo no Batismo? Ou, afinal, que batismo eles teriam recebido? E Paulo fica sabendo que eles tinham recebido o batismo de João (ao que tudo indica de alguma seita que acreditava que João era o messias). Então Paulo os batiza com o Batismo cristão, o sacramento do Batismo (e eles recebem o Espírito como Vida de Cristo) e, depois, os confirma pelai imposição das mãos e eles recebem o dom do Espírito como Força de Cristo; tanto que logo após já começam a testemunhas falando em línguas e profetizando! Portanto, sem o dom do Espírito como Força do Ressuscitado, recebido na Crisma, fica faltando algo à vida do crente: em certo sentido, ela é incompleta. Claro que a ação do Espírito é livre e gratuita: Deus liga a Igreja aos sacramentos, mas ele mesmo não é ligado a sacramento nenhum; seu Espírito sopra onde quer (cf. Jo 3,8). Por isso mesmo é que desceu sobre Cornélio e sua família antes ainda que eles tivessem recebido o Batismo (cf. At 10,44-48). Isto, no entanto, foi um caso excepcional, para mostrar que o caminho da evangelização deveria ser aberto aos pagãos. Tal passo fato era tão importante e tão difícil de ser dado pela Igreja, que o Espírito agiu deste modo todo especial naquele caso concreto. No entanto, o modo ordinário, “normal” de se receber o Espírito é pelo Batismo e pela Confirmação. Como já disse, se Deus não se submete aos sacramentos, submete, no entanto, a Igreja, que deve obedecer e usar os meios ordinários que o Senhor nos dá!

Então, deve ter ficado claro que desde a época apostólica o Espírito é dado no Batismo e, ligada ao Batismo mas com um rito próprio e num modo diverso, na Confirmação. No Batismo o Espírito é Vida de Cristo em nós e na Confirmação o mesmo Espírito é Força de Cristo em nós, transbordando para que participemos da missão do Senhor, dando testemunho dele e colaborando na edificação da Igreja.
No próximo artigo veremos como a Confirmação foi celebrada nas diversas fases da história da Igreja; assim compreenderemos seu rito nos nossos dias. Até lá!

Fonte:
Dom Henrique Soares da Costa. O Sacramento da Confirmação - II. Disponível em < http://domhenrique.com.br/index.php/sacramentos/confirmacao/175-o-sacramento-da-confirmacao-ii> Desde 29 de Dezembro de 2008.

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