DÉCIMA PRIMEIRA
CARTA - A FÉ E A CIÊNCIA
Pe. Emmanuel-André
Como a senhora sabe, o homem nasce
ignorante. E só sai da ignorância com dificuldade. O homem custa a aprender e
quanto mais elevada a ciência que queremos adquirir, mais ela nos custa. O mal
é tanto que não só temos dificuldades em aprender, como muitas vezes sentimos
repugnância infeliz pelo estudo, repugnância que nos faria sentir uma espécie
de tranqüilidade, uma felicidade estúpida por não saber nada.
E, no entanto, não é a ignorância em si
que nos agrada. O que nos agrada é o fato de não precisarmos fazer o esforço
necessário para chegar à ciência.
Nós cristãos, conhecemos a causa de tão
lamentável estado, pois a fé nos indica ser este um dos efeitos do pecado
original.
Quando Deus, pelo batismo, apaga em nós
o pecado original, Ele nos dá a fé e com a fé a necessidade de conhecer as
verdades cristãs e a inclinação para recebê-las e guardá-las.
Essa necessidade das almas não é coisa
para ser negligenciada. Para isso a Igreja tem o catecismo. Mas, infelizmente,
as lições duram pouco e são facilmente esquecidas. A educação cristã é muito
relaxada nas escolas, quando não é totalmente desprezada. Disso resulta que os
cristãos, geralmente, não são suficientemente instruídos naquilo que, no
entanto, teriam a maior necessidade de conhecer a fim de conservar a fé,
praticá-la fielmente e guardá-la até o fim de sua vida. Este é mais ou menos o
estado geral dos cristãos cujos estudos terminaram na escola primária.
Mas nós temos escolas secundárias,
escolas superiores, até mesmo universidades. Se a ciência está em algum lugar,
é nestes lugares que deveria estar.
A propósito da ciência, gostaria de lhe
chamar a atenção sobre um fenômeno que não se leva em conta, no que entretanto
se comete um grande erro. A chama da fé estando acesa no mundo e tendo sido
acesa pela mão de Deus, é por isso mesmo inextinguível, ela brilha apesar de
tudo. Todos sabem disso e é por causa do anseio pelo conhecimento depositado em
nós pela fé, no batismo, que se realiza um trabalho interior naqueles que têm
amor pela ciência, que os impele a grandiosas vitórias sobre a ignorância. Eles
têm necessidade de saber.
Nós diremos que isto é um efeito da fé:
e é o fenômeno mais claro e mais escondido que existe. Prestem atenção: em
nenhum outro lugar, senão onde há a fé, os espíritos trabalham pela ciência.
Todos os batizados recebem o estímulo divino e entre os homens de ciência, o
ponto de partida é a fé. Mas alguns a conservam, outros a perdem. Os espíritos,
desde o princípio tomam caminhos diferentes, apesar de terem recebido, uns e
outros, o dom da fé, a energia do desejo, que os leva à ciência. [Um famoso
ímpio de nosso tempo reconheceu a verdade do que enunciamos: Para
combater eficientemente uma religião, é preciso praticá-la. Traduzimos: Não
serás nunca um verdadeiro ímpio se não tiverdes sido batizado. De fato, os
judeus não conseguem sê-lo. A respeito da expressão "uma religião",
notemos que nossos cientistas nunca combateram nem o islamismo, nem o budismo,
nem o bramanismo, nem mesmo o fetichismo, porque não são nada.
Mas combatem a religião Católica porque
aí se encontra a fé, a verdade divina, à qual viraram as costas. «Ipsi
fuerunt rebelles luminis – Eles se rebelaram contra a luz» Jó XXIV, 13]
nota do autor.
Por uma conseqüência lógica, a ciência
tenderá para um fim duplo, de acordo com o fato dos espíritos terem ou não
guardado a fé. E talvez nunca se tenha sido capaz de constatar tão claramente
esta bifurcação na direção seguida pela ciência como em nossos dias. Hoje
existe uma ciência que quer crer.
Com isto ela caminha na verdade,
segundo Deus e segundo a lei imutável do desenvolvimento do espírito humano. Há
uma ciência que não quer crer. Ela fará tudo para se manter numa negativa, que
no entanto não é nada científica: não crer.
De cada um dos dois lados vemos
espíritos muito ativos, ardentes, desejosos de chegar ao fim. De cada lado
vemos escolas e trabalhos sérios e uma emulação que seria igualmente louvável
se o fim visado fosse igualmente legítimo. É preciso dizer: a ciência que
caminha contra a fé tem hoje a palavra mais alta. Esta ciência possui mil
apoios no mundo exterior. Forte em seus alicerces, sua aspiração é apagar a
chama divina da fé.
Mas nisso tudo não há nada de novo.
Lemos no mais antigo livro do mundo que os homens um dia disseram uns para os
outros: Metamo-nos à obra e construamos uma torre que se eleve até o Céu. E
eles se puseram à obra e construíram uma torre, mas não escalaram o Céu.
Os homens de hoje dizem o mesmo: À
obra! elevemos o edifício da ciência e escalaremos a fé! Eles trabalham e o
edifício que constroem, como o de seus ancestrais, se chamará Babel.
O homem não criou a luz; no dia em que
o homem pensar que provou que a luz é treva, Deus gritar-lhe-á: infeliz!
chamá-lo-á a julgamento e continuará a derramar nas almas a luz da fé.
A ciência que trabalha contra a fé não
alcançará seu fim. Esta ciência não prevalecerá como ciência; ela acabará por
se evaporar, diz a Escritura. A ciência será salva pelos homens de fé; estes
homens têm o grande dever de avançar na ciência e na fé.
Tal é o espetáculo que hoje nos oferece
o mundo. Aqui a ignorância, infelizmente, é o quinhão da maioria.
Lá a fé, e onde está a fé, está a
ciência, fiel em alguns, infiel em outros; de um lado estudando para lutar
contra a fé, contra o próprio Deus, de outro lado trabalhando para derrubar,
como São Paulo, tudo o que pretende se elevar contra Deus.
A batalha começou, a luta é renitente;
e ainda que Deus deva permanecer vitorioso em toda parte e sempre, desejamos
que os fiéis não estejam nunca atrasados. À obra! diremos, porque aqueles que
perderam a fé trabalham por Babel; nós que cremos edifiquemos Jerusalém.
Credo.
Cartas sobre a Fé – Pe. Emmanuel-André