Brevidade da vida
Quae est vita vestra? Vapor est ad modicum
parens. Que é vossa vida? É vapor que aparece por um instante (Tg 4,14)
PONTO I
Que é nossa vida? Assemelha-se a um tênue vapor
que o ar dispersa e desaparece completamente. Todos sabemos que temos de
morrer. Muitos, porém, se iludem, imaginando a morte tão afastada que jamais
houvesse de chegar. Jó, entretanto, nos adverte que a vida humana é brevíssima:
“O homem, vivendo breve tempo, brota como flor e murcha” (Jó 14,1-2). Foi esta
mesma verdade que Isaías anunciou por ordem do Senhor. “Clama — disse-lhe — que
toda a carne é erva... verdadeira erva é o povo; seca a erva, e cai a flor” (Is
40,6-8). A vida humana é, pois, semelhante à de uma planta. Chega a morte, seca
a erva; acaba a vida e murcha, cai a flor das grandezas e dos bens terrenos.
A morte corre ao nosso encontro mais rápido
que um corredor. E nós, a cada instante, corremos para ela (Jo 9,25). A cada
passo, a cada respiração chegamos mais perto da morte. “Este momento em que
escrevo — disse São Jerônimo — faz-me caminhar para a morte.” “Todos temos de
morrer, e nós deslizamos como a água sobre a terra, a qual não volta para trás”
(2Sm 14,14). Vê como corre o regato para o mar; suas águas não retrocedem;
assim, meu irmão, passam teus dias e cada vez mais te acercas da morte. Prazeres,
divertimentos, faustos, lisonjas e honras, tudo passa. E o que fica? “Só me
resta o sepulcro” (Jó, 17,1). Seremos lançados numa cova e, ali, entregues à
podridão, privados de tudo. No transe da morte, a lembrança de todos os gozos
que em vida desfrutamos e bem assim das honras adquiridas só servirá para aumentar
nossa mágoa e nossa desconfiança de obter a salvação eterna. Dentro em breve, o
pobre mundano terá que dizer: minha casa, meus jardins, esses móveis preciosos,
esses quadros raríssimos, 10 aqueles vestuários já não serão para mim! “Só me
resta o sepulcro”.
Ah! com que dor profunda há de olhar para os
bens terrestres aquele que os amou apaixonadamente! Mas essa mágoa já não
valerá senão para aumentar o perigo em que se acha a salvação. A experiência
nos tem provado que tais pessoas, apegadas ao mundo, mesmo no leito da morte,
só querem que se lhes fale de sua enfermidade, dos médicos que se possam
consultar, dos remédios que os aliviem. Mas, logo que se trata da alma,
enfadam-se e pedem descansar, porque lhes dói a cabeça e não podem ouvir
conversação. Se, por acaso, respondem, é confusamente e sem saberem o que
dizem. Muitas vezes, o confessor lhes dá a absolvição, não porque os acha bem
preparados, mas porque já não há tempo a perder. Assim costumam morrer aqueles
que pensam pouco na morte.
AFETOS E SÚPLICAS
Meu Senhor e Deus de infinita majestade! Envergonho-me
de aparecer ante vossa presença. Quantas vezes injuriei vossa honra, preferindo
à vossa graça um indigno prazer, um ímpeto de cólera, um pouco de barro, um
capricho, um fumo leve! Adoro e beijo vossas santas chagas, que vos infligi com
meus pecados. Pelas mesmas espero meu perdão e salvamento. Fazei-me conhecer, ó
Jesus, a gravidade da ofensa que cometi, sendo como sois a fonte de todo o bem
e eu vos abandonei para saciar-me em águas corruptas e envenenadas. Que me
resta de tantas ofensas, senão angústia, remorsos e méritos para o inferno?
“Meu pai, não sou digno de chamar-me vosso filho” (Lc 15,21). Não me
abandoneis, pai.
Verdade é que não mereço a graça de chamar-me
vosso filho. Mas morrestes para salvar-me. Dissestes, Senhor: “Convertei-vos a
mim e eu me voltarei para vós” (Zc 1,3). Renuncio, pois, a todas as minhas
satisfações. Deixo no mundo quantos prazeres se me podem oferecer e me converto
a vós.
Perdoai-me, pelo sangue que derramastes por
mim. Senhor, arrependo-me e vos amor sobre todas as coisas. Não sou digno de
vos amar, mas vós, que mereceis tanto amor, não desprezeis o amor de um coração
que em outro tempo vos desprezava. A fim de que vos amasse, não me deixastes
morrer quando me achava em estado de pecado.
Quero amar-vos na vida que me resta, e não amar
a nada mais que a vós. Assisti-me, meu Deus; dai-me o dom da perseverança e o
vosso santo amor.
Maria, meu refúgio, recomendai-me a Jesus
Cristo.
PONTO II
Exclamava o rei Ezequias: “Minha vida foi
cortada como por tecelão.
Quando ainda estava urdindo, ele me cortou”
(Is 38,12). Quantas pessoas andam preocupadas a tecer a teia de sua vida,
ordenando e combinando com arte seus mundanos desígnios, quando os surpreende a
morte e rompe tudo! Ao pálido resplendor da última luz todas as coisas deste
mundo se obscurecem: aplausos, prazeres, pompas e grandezas.
Grande segredo o da morte! Sabe mostrar-nos o
que não vêem os amantes do mundo. As mais cobiçadas fortunas, os postos mais
elevados, os triunfos mais estupendos, perdem todo o seu esplendor considerados
à vista do leito mortuário. Convertem-se então em indignação contra nossa
própria loucura as idéias que tínhamos formado de certa felicidade ilusória. A
sombra negra da morte cobre e obscurece até as dignidades régias.
Durante a vida, nossas paixões nos apresentam
os bens do mundo de modo mui diferente do que são. A morte, porém, lhes tira o
véu e os mostra na sua realidade: fumo, logo, vaidade e miséria. Meu Deus, para
que servem depois da morte riquezas, domínio e reinos, quando, ao morrer, temos
apenas necessidade de um ataúde de madeira e de uma mortalha para cobrir o
corpo? Para que servem honras, se apenas nos darão um cortejo fúnebre ou
pomposas exéquias, que de nada nos aproveitarão se a alma está perdida? Para
que serve formosura do corpo, se não restam mais que vermes, podridão espantosa
e, pouco depois, pó infecto? Ele me reduziu a ser como a fábula do povo, e sou
um ludíbrio diante deles (Jó 17,6). Morre um ricaço, um governador, um capitão,
e por toda parte sua morte será apregoada. Mas, se viveu mal, virá a ser censurado
pelo povo, exemplo da vaidade do mundo e da justiça divina, e escarmento para
muitos. Na cova será confundido com os cadáveres dos pobres. “Grandes e
pequenos ali estão” (Jó 3,19). De que lhe serviu a galhardia do seu corpo, se
agora não passa de um montão de vermes? De que lhe valeu a autoridade que
possuía, se agora seus restos mortais estão condenados a apodrecer numa vala e
a sua alma arrojada nas chamas do inferno? Oh! que desdita ser para os demais
objeto de semelhantes reflexões, e não as haver feito em benefício próprio!
Persuadamo-nos, portanto, que, para remediar as desordens da consciência, não é
apropriado o tempo da morte, mas sim o da vida.
Apressemo-nos a pôr mãos à obra naquilo que
então não poderemos fazer. Tudo passa e fenece depressa (1Cor 7,29). Procuremos
agir de modo que tudo nos sirva para conquistar a vida eterna.
AFETOS E SÚPLICAS
Ó Deus de minha alma, ó bondade infinita! Tende
compaixão de mim, que tanto vos tenho ofendido. Sabia que, pecando, perdia
vossa graça, e quis perdê-la. Dizei-me, Senhor, o que devo fazer para recuperá-la.
Se quereis que me arrependa de meus pecados,
deles me arrependo de todo o coração, e tanto que quisera morrer de dor por
havê-los cometido. Se quereis que espere o vosso perdão, espero-o pelos merecimentos
de vosso sangue. Se quereis que vos ame sobre todas as coisas, tudo deixo,
renuncio a todos os prazeres que o mundo me pode oferecer, e vos amo mais que
todos os bens, ó amabilíssimo Salvador meu! Se quereis, enfim, que vos peça alguma
graça, ouso pedir-vos as seguintes: que não permitais vos torne a ofender e que
me concedais vos ame verdadeiramente; depois fazei de mim o que quiserdes.
Maria, esperança minha, alcançai-me estas
duas graças. É de vós que as espero.
PONTO III
Que grande loucura expor-se ao perigo de uma morte
infeliz e começar com ela uma eternidade desditosa, por causa dos breves e
miseráveis deleites desta vida tão curta! Oh, quanta importância tem esse
último instante, esse último suspiro, esta última cena! Vale uma eternidade de
gozos ou de tormentos. Vale uma vida sempre feliz ou sempre desgraça-da.
Consideremos que Jesus Cristo quis morrer vítima de tanta amargura e ignomínia
para nos obter morte venturosa. Com este fito nos dirige tantas vezes seu
convite, dá-nos suas luzes, nos admoesta e ameaça, tudo para que procuremos
concluir a hora derradeira na graça e na amizade de Deus.
Até um pagão, Antístenes, a quem perguntaram
qual era a maior dita deste mundo, respondeu que era uma boa morte. Que dirá,
pois, um cristão, a quem a luz da fé ensina que nesse momento começa a
eternidade e se toma um dos dois caminhos, o do eterno sofrimento ou o da
eterna alegria? Se numa bolsa metessem dois bilhetes: um com a palavra inferno,
outro com a palavra glória, e tivesses que tirar à sorte um deles para seguir
imediatamente ao lugar indicado, que precaução não tomarias para tirar o que
desse entrada para o céu? Os desgraçados, condenados a jogar a vida, como
tremem ao estender a mão para lançar os dados, dos quais depende sua vida ou
morte.
Com que espanto te verás próximo desse momento
solene em que poderás dizer a ti mesmo: Deste momento depende minha vida ou
minha morte eterna! Decide-se agora se hei de ser eternamente feliz ou
desesperado para sempre. Refere São Bernardino de Sena que certo príncipe, ao
expirar, dizia atemorizado: Eu, que tantas terras e palácios possuo neste
mundo, não sei, se morrer esta noite, que mansão irei habitar! Se crês, meu
irmão, que hás de morrer, que existe eternidade, que se morre só uma vez, e
que, dado este passo em falso, o erro é irreparável para sempre e sem esperança
de remédio: por que não te decides, desde o momento em que isto lês, a praticar
quanto puderes para te assegurar uma boa morte? Era a tremer que Santo André
Avelino dizia: Quem sabe a sorte que me estará reservada na outra vida: salvar-me-ei?
Tremia um São Luís Beltrão de tal maneira que, em muitas noites, não lograva
conciliar o sono, acabrunhado pelo pensamento que lhe dizia: Quem sabe se te
condenarás? E tu, meu irmão, que de tantos pecados és culpado, não tremes?
Apressa-te em tomar o remédio oportuno; decide entregar-te inteiramente a Deus,
e começa, desde já, uma vida que não te aflija, mas proporcione consolo na hora
da morte. Dedica- te à oração; freqüenta os sacramentos, evita as ocasiões
perigosas e, se tanto for preciso, abandona o mundo para assegurar tua
salvação, persuadido de que, quando esta se trata, não há confiança que baste.
AFETOS E SÚPLICAS
Quanta gratidão vos devo, meu amado Salvador!
Como pudestes prodigalizar tantos benefícios a um traidor e ingrato para
convosco? Criastes-me, e, criando-me, já prevíeis quantas ofensas vos havia de
fazer um dia. Remistes-me, morrendo por mim, e, já então, víeis toda a ingratidão
com que havia de proceder. Apenas entrando no mundo, afastei- me de vós;
entreguei-me à morte, à corrupção, mas vós, por vossa graça, me restituístes à
vida. Estava cego e me abristes os olhos. Tinha-vos perdido, e fizestes que vos
tornasse a encontrar. Era vosso inimigo e me oferecestes vossa amizade.
Ó Deus de misericórdia, fazei-me conhecer o
muito que vos devo e que chore as ofensas que vos fiz. Vingai-vos de mim,
dando-me dor profunda de meus pecados; mas não me castigueis, privando-me de
vossa graça e do vosso amor.
Ó Pai Eterno, abomino e detesto acima de tudo
os ultrajes que fiz.
Tende piedade de mim, por amor de Jesus
Cristo! Olhai vosso Filho morto na cruz, e desça sobre mim o seu sangue divino
para lavar a minha alma. Ó Rei do meu coração, venta o vosso Reino. Estou
resolvido a repelir toda a afeição que não seja por vós. Amo-vos sobre todas 12
as coisas; vinde reinar em minha alma. Fazei com que vos ame como único objeto
de meu amor. Desejo agradar-vos quanto me for possível no tempo da vida que me
resta. Abençoai, meu Pai, este meu desejo, e concedei-me a graça de permanecer
sempre unido a vós. Consagro-vos todas as minhas afeições e doravante só quero
ser vosso, ó meu tesouro, minha paz, minha esperança, meu amor, meu tudo! Tudo
espero de vós pelos merecimentos de vosso Filho.
Ó Maria, minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me
pela vossa intercessão! Mãe de Deus, rogai por mim.
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