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Patrística:
A Unidade da Igreja Católica - Parte 1
São Cipriano de Cartago
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I -
VIGIAI: O INIMIGO VEM DISFARÇADO
1. "Vós sois o sal da terra" (Mt 5,3),
diz o Senhor, e ainda nos recomenda que sejamos simples pela inocência e
prudentes na simplicidade [Mt 10,16]. Nada pois é mais importante para nós,
irmãos diletíssimos, quanto vigiar com todo o cuidado para descobrir logo e, ao
mesmo tempo, compreender e evitar as ciladas do inimigo traiçoeiro. Sem isso,
embora sejamos revestidos de Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], que é a Sabedoria de
Deus Pai [1Cor 1,24], nos mostraríamos menos sábios na defesa da salvação.
2. De fato, não devemos temer só a perseguição e
os vários ataques que se desencadeiam abertamente para arruinar e abater os
servos de Deus. Quando o perigo é manifesto, a cautela é mais fácil. O nosso
espírito está mais pronto para lutar contra um adversário abertamente
declarado. É mais necessário ter medo e guardar-nos do inimigo que penetra às
escondidas, e se vai insinuando oculta e tortuosamente com falsas imagens de
paz. Bem lhe convém o nome de serpente! Essa foi sempre a sua astúcia, esse foi
sempre o tenebroso e pérfido engano com que tenta seduzir o homem.
3. Já no começo do mundo mentiu e enganou as
almas crédulas e ingênuas (dos nossos primeiros pais), acariciando-as com
palavras falazes [Gên 3,1ss] . Igualmente ousou tentar a Cristo, nosso Senhor,
e se aproximou dele insinuando, disfarçando, mentindo. Foi contudo desmascarado
e repelido. Desta vez, foi derrotado porque foi reconhecido e descoberto [Mt
4,1ss].
II - ACIMA
DE TUDO, CUMPRIR OS MANDAMENTOS DE CRISTO
1. Sirvam-nos estes exemplos. Evitemos o caminho
do homem velho, para não cair no laço da morte. Sigamos as pisadas de Cristo
vencedor, para que, usando cautela diante do perigo, alcancemos a verdadeira
imortalidade.
2. Mas, como poderíamos chegar à imortalidade,
sem observar os mandamentos de Cristo? São eles os únicos meios para combater e
vencer a morte. Ele nos avisa: "Se queres chegar à vida, observa os
mandamentos" (Mt 19,17), e, de novo: "Se fizerdes o que vos mando, já
não vos chamarei servos, mas amigos" (Jo 15,15).
3. Esses são os que ele diz serem fortes e
firmes. Esses têm fundamento sólido na pedra, e gozam de inabalável resistência
contra todas as tempestades e as rajadas do século. "Quem ouve as minhas
palavras - diz ele - e as cumpre é semelhante ao homem sábio que construiu a
sua casa sobre a pedra. Desceu a chuva, desabaram as correntes, sopraram os
ventos, batendo contra aquela casa, e ela não caiu porque fora fundada na
pedra" (Mt 7,25).
4. Devemos, pois, prestar atenção às suas
palavras, devemos aprender e praticar o que ele ensinou e o que fez. Como
poderia asseverar que acredita em Cristo aquele que não cumpre o que Cristo
mandou? E como conseguirá o prêmio da fé aquele que recusa a fé no que foi
mandado? Fatalmente ele irá vacilando, à ventura, e, arrastado pelo espírito do
erro, será varrido como pó agitado pelo vento.
5. Nunca poderão conduzir à salvação os passos
daquele que não adere à verdade da única via que salva.
III - O
DEMÔNIO É O AUTOR DOS CISMAS
1. Devemos pois guardar-nos, irmãos caríssimos,
não só dos males que aparecem claramente como tais, mas também, como já disse,
daqueles que nos enganam pela sutileza da astúcia e da fraude.
2. Pois bem, vede agora a que ponto chega a
astúcia e a sutileza do inimigo. Veio Cristo ao mundo. Veio a luz para os povos
e resplandeceu para a salvação dos homens [Lc 2,32]. Com isto ficou descoberto
e derrotado o antigo adversário. Os surdos abrem os ouvidos às graças
espirituais, os cegos abrem os olhos a Deus, os enfermos ficam são ao ganhar a
saúde eterna, os coxos correm à Igreja, os mudos soltam as suas línguas na
oração [Mt 11,5; Lc 7,22]. Aumenta dia a dia o povo fiel, abandonam-se os
velhos ídolos, tornam-se desertos os seus templos.
3. Então, o que faz o malvado? Inventa nova fraude
para enganar os incautos com o próprio título do nome cristão. Introduz as
heresias e os cismas para derrubar a fé, para contaminar a verdade e dilacerar
a unidade. Assim, não podendo mais segurar os seus na cegueira da antiga
superstição, os rodeia, os conduz ao erro por novos caminhos. Rouba à Igreja os
homens e, fazendo-lhes acreditar que alcançaram a luz e se subtraíram à noite
do século, envolve-os ainda mais nas trevas: não observam a lei do Evangelho de
Cristo e se dizem cristãos, andam na escuridão e pensam que possuem a luz,
nisto são iludidos e lisonjeados pelo adversário, que, como diz o Apóstolo,
"se transfigura em anjo de luz" (2Cor 11,14).
4. Disfarça seus ministros em ministros de
justiça, ensina-lhes a dar à noite o nome de dia, à perdição o nome de
salvação, ensina-lhes a propalar o desespero e a perfídia sob o rótulo da
esperança e da fé, a apregoar o Anticristo com o nome de Cristo. Mestres na
arte de mentir, diluem com as suas sutilezas toda a verdade.
5. Isto acontece, irmãos caríssimos, porque não
se bebe à fonte mesma da verdade, não se busca aquele que é a Cabeça, nem se
observam os ensinamentos do Mestre celestial.
IV -
"TU ÉS PEDRO, E SOBRE ESTA PEDRA..."
1. Quem presta atenção a estes ensinamentos não
precisa de longo estudo, nem de muitas demonstrações. A prova da nossa fé é
fácil e compendiosa.
2. Assim fala o Senhor a Pedro: "Eu te digo
que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos
infernos não a vencerão. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus e tudo o que
ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra
será desligado também nos céus" (Mt 16,18-19).
3. Sobre um só edificou a sua Igreja. Embora,
depois da sua ressurreição, tenha comunicado igual poder a todos os Apóstolos,
dizendo: "Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós. Recebei o Espírito
Santo, a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a quem os retiverdes
ser-lhe-ão retidos" (Jo 20,21-23), todavia, para tornar manifesta a
unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade procedesse de um
só.
4. É verdade que os demais Apóstolos eram o
mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira
urdidura começa pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só.
5. O Espírito Santo, falando na pessoa do
Senhor, designa esta Igreja única quando diz no Cântico dos Cânticos: "Uma
só é a minha pomba, a minha perfeita, única filha da sua mãe e sem igual para a
sua progenitora" (Cânt 6,9).
6. Aquele que não guarda esta unidade poderá
pensar que ainda guarda a fé? Aquele que resiste e faz oposição à Igreja poderá
confiar que ainda está na Igreja?
7. Paulo apóstolo inculca o mesmo ensinamento e
mostra o sacramento da unidade, dizendo: "Um só corpo e um só espírito,
uma é a esperança da vossa vocação, um Senhor, uma fé, um Batismo, um só Deus"
(Ef 4,4-5).
8. E, depois da ressurreição, diz ao mesmo:
"Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,17). Sobre ele só constrói a
Igreja e lhe manda que apascente as suas ovelhas. Embora comunique a todos os
Apóstolos igual poder, todavia institui uma só cátedra, determinando assim a
origem da unidade.
9. É verdade que os demais [Apóstolos] eram o
mesmo que Pedro, mas o primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que
há uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só
rebanho, que deve ser apascentado por todos os Apóstolos em unânime harmonia.
10. Aquele que não guarda esta unidade,
proclamada também por Paulo, poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que
abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar
que ainda está na Igreja?
V - A
IGREJA ÚNICA E UNIVERSAL: MUITOS SÃO OS RAIOS, UMA A LUZ...
1. Esta unidade devemos guardar e exigir com
firmeza, especialmente nós, bispos, que na Igreja presidimos, para dar prova de
que o episcopado também é um e indiviso. Ninguém engane os irmãos com mentiras,
ninguém corrompa a pureza da fé com pérfidos desvios.
2. Uma só é a ordem episcopal e cada um de nós
participa dela completamente. Mas a Igreja também é uma, embora, em seu fecundo
crescimento, se vá dilatando numa multidão sempre maior.
3. Assim muitos são os raios do sol, mas uma só
é a luz, muitos os ramos de uma árvore, mas um só é o tronco preso à firme
raiz. E quando de uma única nascente emanam diversos riachos, embora corram
separados e sejam muitos, graças ao copioso caudal que recebem, todavia
permanecem unidos na fonte comum.
4. Se pudéssemos separar o raio do corpo do sol,
na luz assim dividida já não haveria unidade. Quando se quebra um ramo da
árvore, o ramo quebrado já não pode vicejar. Se separamos um regato da fonte,
ele secará.
5. Igualmente a Igreja do Senhor, resplandecente
de luz, lança seus raios no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda
a parte, continua sendo a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do
corpo.
6. Na sua exuberante fertilidade, estende os
seus ramos em toda a terra, derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma
só é a cabeça, uma a fonte, uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade.
Do parto dela nascemos, é dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que
nos vivifica.
VI - ÚNICA
ESPOSA DE CRISTO: NÃO PODE TER DEUS POR PAI, QUEM NÃO TEM A IGREJA POR MÃE
1. A Esposa de Cristo não pode tornar-se
adúltera, ela é incorruptível e casta [Cf Ef 5,24-31]. Conhece só uma casa,
observa, com delicado pudor, a inviolabilidade de um só tálamo. É ela que nos
guarda para Deus e torna partícipes do Reino os filhos que gerou.
2. Aquele que, afastando-se da Igreja, vai
juntar-se a uma adúltera, fica privado dos bens prometidos à Igreja. Quem
abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se
estranho, torna-se profano, torna-se inimigo.
3. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a
Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém
se salva fora da Igreja.
4. O Senhor nos alerta e diz: "Quem não
está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30).
Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz
colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo.
5. Diz ainda o Senhor: "Eu e o Pai somos
um" (Jo 10,30), e do Pai, do Filho e do Espírito Santo está escrito:
"Estes três são um" (1Jo 5,7). Como poderá alguém pensar que esta
unidade da Igreja, decorrente da própria firmeza da unidade divina, e tão
conforme com este celeste mistério, pode ser rompida e sacrificada ao arbítrio
de vontades opostas? Quem não observa esta unidade não observa a lei de Deus,
não observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a vida, nem a salvação.
VII - A
TÚNICA INCONSÚTIL DE CRISTO
1. Este sacramento da unidade, este vínculo de
concórdia inviolada e sem rachadura, é figurado também pela túnica do Senhor
Jesus Cristo. Como lemos no Evangelho, ela não foi dividida, nem, de modo
algum, rasgada, mas sorteada. Isto quer dizer que quem toma a veste de Cristo e
tem a dita de se revestir do próprio Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], deve receber
a sua túnica toda inteira e possuí-la intacta e sem divisão.
2. Diz a divina Escritura: "Quanto à
túnica, visto que, desde a parte superior, era feita de uma única tecedura, sem
costura alguma, disseram: não a dividamos, mas lancemos-lhe a sorte para ver a
quem toca" (Jo 19,23-24). A unidade da túnica derivava da sua parte
superior - em nosso caso, do céu e do Pai celeste. Aquele que a recebia e
guardava não podia rasgá-la de modo nenhum, de fato ela era resistente e sólida
por ser constituída de um modo inseparável.
3. Não pode possuir a veste de Cristo aquele que
rasga e divide a Igreja de Cristo.
4. O contrário aconteceu à morte de Salomão,
quando o seu reino e o povo deviam ser divididos. O profeta Aías, indo ao
encontro do rei Jeroboão no campo, cortou o seu manto em doze partes, dizendo:
"Toma para ti dez partes, porque assim diz o Senhor: eis que eu divido o
reino da mão de Salomão, a ti darei dez cetros e dois ficarão para ele, por
causa do meu servo Davi e de Jerusalém, a cidade eleita em que eu pus o meu nome"
(1Rs 11,30-36). Para separar as doze tribos de Israel, o profeta dividiu O seu
manto.
5. Mas o povo de Cristo não pode ser dividido, e
por isso a sua túnica, que era um todo feito de uma só tecedura, não foi
dividida por aqueles que a deviam possuir. Ficando uma só, bem firme na sua
contextura, ela mostra a união e a concórdia do nosso povo, isto é, daqueles
que são revestidos de Cristo. Por este sinal sagrado da sua veste, proclamou
ele a unidade da Igreja.
VIII -
FIGURAS DO ANTIGO TESTAMENTO: RAABE, O CORDEIRO PASCAL
1. Portanto quem será tão celerado e pérfido,
tão louco pelo furor da discórdia, para pensar como possível ou até para ousar
romper a unidade de Deus, a veste do Senhor, a Igreja de Cristo?
2. Ainda uma vez nos avisa ele no Evangelho dizendo:
"E haverá um só rebanho e um só pastor" (Jo 10,16). E como se pode
pensar que, num mesmo lugar, existam muitos pastores e muitos rebanhos?
3. O apóstolo Paulo, por sua vez, inculcando
esta mesma unidade, suplica e exorta: "Rogo-vos, irmãos, pelo nome de
nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais as mesmas coisas e não se dêem
cismas entre vós. Sede unidos no mesmo sentimento e no mesmo pensamento"
(1Cor 1,10) E de novo: "Sustentando-vos mutuamente no amor, esforçando-vos
por conservar a unidade do Espírito na união da paz" (Ef 4,2-3).
4. Achas tu que alguém pode afastar-se da
Igreja, fundar, a seu arbítrio, outras sedes e moradias diversas e ainda
perseverar na vida? Ouve o que foi dito a Raabe, na qual era prefigurada a
Igreja: "Recolhe teu pai, tua mãe, teus irmãos e toda a tua família junto
de ti, na tua casa, e qualquer um que ouse sair fora da porta da tua casa, será
ele próprio culpado da sua perda" (Jos 2,18-19).
5. Igualmente o sacramento da Páscoa [antiga],
como lemos no Êxodo, exigia que o cordeiro, morto como figura de Cristo, fosse
comido numa só casa. Eis as palavras de Deus: "Seja comido numa só casa,
não jogueis fora da casa carne alguma dele" (Ex 12,46). A carne de Cristo,
o Santo do Senhor, não pode ser jogado fora. Para os que nele crêem, não há
outra casa a não ser a única Igreja.
6. O Espírito Santo anuncia e significa esta
casa, esta morada da união dos corações, dizendo nos salmos: "Deus faz
habitar na casa aqueles que são unânimes" (Sl 67,7). Na casa de Deus, na
Igreja de Cristo, os moradores são unidos e perseveram na concórdia e na
simplicidade.
Fonte: Agnus Dei
Fonte: Agnus Dei
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Pesquisa: Paulo Lelis

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