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Patrística:
A Unidade da Igreja Católica - Parte 2
São Cipriano de Cartago
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IX - A
POMBA, EXEMPLO DE SOCIABILIDADE E CONCÓRDIA
1. Por isto também o Espírito Santo desceu em
forma de pomba [Mt 3,16; Mc 1,10], animal simples e alegre, sem amargura alguma
de fel, incapaz de se enfurecer; não morde, não arranha com as unhas. Prefere
as moradias dos homens e gosta de habitar numa mesma casa. Quando criam, as
pombas cuidam dos filhotes juntamente, quando viajam, voam pertinho umas das
outras. Passam o tempo em tranqüilos arrulhos, manifestam a concórdia e a paz
beijando-se no rosto. Enfim, em todas as coisas seguem a lei da boa harmonia.
2. Esta é a simplicidade que deve reinar na
Igreja, essa a caridade que devemos realizar: o amor fraternal imite as pombas,
a mansidão e a brandura sejam iguais às dos cordeiros e das ovelhas.
3. Como podem estar no coração de um cristão a
ferocidade dos lobos, a raiva dos cães, o veneno mortífero das serpentes ou a
crueldade sanguinária das feras?
4. Devemos alegrar-nos quando os que têm esses
sentimentos se separam da Igreja. Assim as pombas e as ovelhas de Cristo não
serão contagiadas pela sua maldade e pelo seu veneno. Não podem conciliar-se e
juntar-se amargura e doçura, trevas e luz, chuva e céu sereno, guerra e paz,
esterilidade e fecundidade, secura e manancial, tempestade e bonança.
5. Não acreditem que os bons possam deixar a
Igreja: não é o trigo que o vento carrega, o furacão não arranca as árvores que
têm sólidas raízes. Ao contrário são as palhas vazias que a tormenta agita, são
as árvores vacilantes que a força dos turbilhões abate. Contra esses o apóstolo
S. João manifesta a sua repulsa, dizendo: "Saíram do nosso meio, mas não
eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, sem dúvida teriam ficado
conosco" (1Jo 2,19).
X - ORIGEM
E MALDADE DAS HERESIAS
1. A origem de onde nasceram frequentemente e
continuam nascendo as heresias é a seguinte: há mentes perversas e sem paz,
que, discordando em sua perfídia, não podem suportar a unidade. O Senhor, por
seu lado, respeita a liberdade do arbítrio humano, permite e tolera que isto
aconteça, a fim de que o crisol da verdade purifique os nossos corações e as
nossas mentes, e, na provação, resplandeça com luz inequívoca a integridade da
fé.
2. O Espírito Santo nos previne, por meio do
Apóstolo: "Convém que haja heresias para que entre vós se tornem
manifestos os que resistem à prova" (1Cor 11,19). Assim, aqui mesmo, antes
do dia do juízo, são divididas as almas dos justos e dos perversos e as palhas
são separadas do trigo.
3. Esses são os que, por própria iniciativa e
sem chamamento divino, se põem a encabeçar temerários grupinhos. Contra toda a
lei da ordenação, se constituem superiores e, sem que ninguém lhes dê o
episcopado, se atribuem a si mesmos o nome de bispos. A eles faz alusão o
Espírito Santo, no Salmo, falando dos que estão sentados em cátedras de
pestilência, porque são peste infecciosa da fé. Mestres na arte de corromper a
verdade, eles enganam com bocas de serpente, vomitando de suas línguas
pestilentas peçonhas mortíferas. Os seus discursos brotam como chaga cancerosa,
o trato com eles deixa no fundo de cada coração um veneno mortal.
XI - O
BATISMO CISMÁTICO
1. Contra esses homens brada o Senhor, para
afastar ou retirar deles o seu povo desviado: "Não escuteis os sermões dos
pseudoprofetas, porque vivem iludidos pelas alucinações do seu coração. Falam,
mas não as palavras do Senhor. Aos que rejeitam a palavra de Deus dizem eles:
tereis a paz, vós e todos os que andam segundo as próprias vontades. Não virá
mal algum, ainda sobre aqueles que seguem os erros do próprio coração. Eu não
lhes falei e eles vão profetando. Se tivessem atendido ao meu conselho, ouvido
as minhas palavras e as tivessem ensinado ao meu povo, eu os teria convertido
dos seus perversos pensamentos" (Jer 23,16-22).
2. E de novo fala deles o Senhor:
"Abandonaram a mim, que sou a fonte da água viva, e escavaram para si
covas escuras, que nem podem dar água" (Jer 2,13).
3. Enquanto não pode haver senão um Batismo,
eles pensam que podem batizar. Abandonaram a fonte da vida e ainda prometem a
graça da água que dá a vida e a salvação. Lá os homens não são purificados,
mas, ao contrário, mais poluídos. Lá os pecados não são perdoados, mas, antes,
aumentados. Aquele nascimento não gera filhos para Deus, mas para o demônio.
4. Os que pretendem nascer por meio da mentira
não recebem absolutamente as promessas da verdade. Gerados pela perfídia, não
alcançam a graça da fé. Aqueles que, no delírio da discórdia, quebraram a paz
do Senhor, não podem chegar ao prêmio da paz.
XII - "ONDE
DOIS OU TRÊS..." (Mt 18,20)
1. Alguns se enganam a si mesmos com uma
presunçosa interpretação das palavras do Senhor, que disse: "Onde quer que
se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles"
(Mt 18,20).
2. São falsificadores do Evangelho e intérpretes
mentirosos. Apegam-se ao que é dito depois, esquecendo o que foi dito antes,
lembram-se de uma parte da frase e, astutamente, deixam do lado a outra. Assim
como eles se separaram da Igreja, do mesmo modo truncam o sentido de uma única
sentença.
3. De fato, o que queria dizer nosso Senhor?
Para inculcar aos seus discípulos a união e a paz, diz ele: "Eu vos afirmo
que, se dois de vós concordarem na terra em pedir qualquer coisa, ela lhes será
outorgada por meu Pai que está nos céus" (Mt 18,19). E continua:
"Onde quer que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo
estou com eles", mostrando que o que mais vale na oração não é o número
dos que oram, mas a sua união de espírito.
4. "Se dois de vós concordarem na terra",
diz ele. Antes exige a união, põe na frente a paz: o seu primeiro e mais firme
preceito é que entre nós haja acordo. E como poderá estar de acordo com alguém
aquele que está em desacordo com o corpo da Igreja e a totalidade dos irmãos?
5. Como poderão estar reunidos dois ou três em
nome de Cristo, se é patente que estão separados de Cristo e do seu Evangelho?
De fato não somos nós que nos apartamos deles, mas eles de nós. E quando, em
seguida, formando entre si vários grupos, deram origem a heresias e cismas,
abandonaram a cabeça e a fonte da verdade.
6. O Senhor quer falar da sua Igreja e dirige
aquelas palavras àqueles que estão na Igreja, dizendo que, se dois ou três
deles estiverem concordes, como ele ensinou e mandou, e se reunirem em um só
espírito para rezar, embora sejam só dois ou três, impetrarão da majestade de
Deus o que pedem.
7. "Onde quer que se encontrem reunidos em
meu nome dois ou três, eu mesmo estou com eles", quer dizer com os
simples, com os pacíficos, com os que temem a Deus e observam os seus
preceitos. Com esses, ainda que não fossem mais do que dois ou três, prometeu
que estaria, assim como esteve com os três jovens na fornalha ardente, e,
porque permaneciam simples com Deus e unidos entre si, até no meio das chamas,
os animou com uma brisa de orvalho (Dan 3,50).
8. Do mesmo modo esteve presente aos dois
Apóstolos encerrados na cadeia, porque eram simples e unânimes. Ele mesmo abriu
as portas do cárcere e os conduziu de novo à praça para que pregassem à
multidão a palavra que tão fielmente anunciavam.
9. Por conseguinte, quando o Senhor coloca entre
os seus preceitos estas palavras: "Onde quer que se encontrem dois ou três
reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles", não quer separar os homens
da Igreja, pois ele mesmo instituiu e formou a Igreja, mas ao contrário,
repreendendo os pérfidos pela discórdia e encarecendo, com a sua própria voz, a
paz aos fiéis, quer mostrar que ele está mais com dois ou três que oram
unânimes, do que com muitos que oram na dissidência, e que obtém mais a prece
concorde de poucos que a oração sediciosa de muitos.
XIII - NÃO
ACHARÁ A DEUS PROPÍCIO QUEM NÃO ESTÁ EM PAZ COM O IRMÃO
1. Por isto, quando ensinou o modo de orar,
acrescentou: "Quando estiverdes em pé para orar, perdoai, se por acaso
tendes mágoa contra alguém, a fim de que o vosso Pai que está nos céus vos
perdoe também os pecados" (Mc 11,25). E se alguém vier ao sacrifício,
estando de mal com alguém, ele o afasta do altar e ordena que, antes, se ponha
de acordo com o irmão, e só depois volte em paz para oferecer a Deus a sua
dádiva [Cf Mt 5,24].
2. Deus não olhou aos presentes de Caim [Gên
4,5], porque aquele que, pelo rancor da inveja, não tinha paz com o irmão, não
podia encontrar a Deus propício.
3. Que espécie de paz podem pretender os
inimigos dos irmãos? Que sacrifício pensam eles oferecer, enquanto não são que
rivais dos sacerdotes? Julgam que Cristo esteja presente nas suas reuniões,
enquanto se reúnem fora da Igreja de Cristo?
XIV - NEM
O MARTÍRIO LAVA A MANCHA DA DISCÓRDIA
1. Ainda que esses homens fossem mortos pela
confissão do nome cristão, o seu sangue não lavaria esta mancha. O pecado da
discórdia é tão grande e tão imperdoável, que não se apaga nem pelos tormentos.
Não pode ser mártir quem não está na Igreja, não pode alcançar o Reino quem
abandonou aquela que nasceu para reinar.
2. Cristo nos deu a paz. Ele nos mandou que
fôssemos concordes e unidos, ordenou que os laços do amor e da caridade fossem
conservados intactos e sem rachadura. Não pode iludir-se de ser mártir aquele
que não conservou a caridade fraterna.
3. O apóstolo Paulo ensina e testemunha isto
mesmo quando diz: "Ainda que eu tivesse fé para remover as montanhas, mas
não tivesse a caridade, eu nada seria, ainda que distribuísse em alimento dos
pobres tudo o que é meu, e entregasse o meu corpo às chamas, mas não tivesse a
caridade de nada adiantaria. A caridade é magnânima, a caridade é benigna, a
caridade não rivaliza, não faz mal, não se pavoneia, não se irrita, não pensa
com maldade, tudo ama, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais
termina" (1Cor 13,1-9).
4. A caridade nunca termina, ela estará sempre
no Reino, durará eternamente pela unidade dos irmãos em mútua harmonia. A
discórdia não entra no Reino dos céus. Quem, com pérfida divisão, violou a
caridade de Cristo, não poderá chegar aos prêmios do mesmo Cristo, que disse:
"Este é o meu mandamento, que vos ameis mutuamente como eu vos amei"
(JO 15,12).
5. Quem vive sem caridade está sem Deus. Eis a
voz do bem-aventurado apóstolo João: "Deus é amor. Quem permanece no amor
permanece em Deus e Deus nele" (1Jo 4,16). Não podem permanecer com Deus
os que não quiseram estar unidos na Igreja de Deus. Ainda que, lançados no
fogo, fossem consumidos pelas chamas ou perdessem a vida sendo expostos às
feras, tudo isto não seria unia coroa da fé, mas, antes, um castigo da sua
perfídia, não seria o desfecho glorioso de uma vida religiosa intrépida, mas um
fim sem esperança.
6. Um homem assim poderia ser morto, mas não
coroado. Ele confessa que é cristão do mesmo modo que o diabo, muitas vezes,
engana dizendo ser ele o Cristo. Escutemos o aviso do Senhor: "Muitos
virão com o meu nome, dizendo: sou eu o Cristo, e enganarão a muitos" (Mc
13,16). Como o diabo não é Cristo, embora tome este nome, assim não pode passar
por cristão aquele que não permanece na verdade do Evangelho e na fé de Cristo.
XV - A LEI
DO AMOR E A UNIDADE
1. É certamente coisa incomum e admirável
profetizar, expulsar demônios e fazer obras portentosas aqui na terra, mas quem
faz todas essas coisas não conseguirá o Reino celeste se não anda no caminho
reto e certo.
2. Ouçamos ainda o Senhor: "Muitos me dirão
naquele dia: Senhor, Senhor, não te lembras que em teu nome profetizamos e em
teu nome expulsamos demônios e em teu nome fizemos obras portentosas? Eu porém
lhes direi: jamais vos conheci, apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniqüidade" (Mt 7,21-23). É necessária a justiça para que alguém possa ser
premiado por Deus. É necessário obedecer aos seus mandamentos e aos seus
avisos, para que os nossos méritos alcancem a recompensa.
3. O Senhor, no Evangelho, querendo mostrar-nos
em breve resumo a senda da nossa fé e da nossa esperança, disse: "O
Senhor, teu Deus, é um só", e continua: "Amarás ao Senhor, teu Deus,
de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças" (Mc
12,29-31). "Eis o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a ele:
amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois preceitos funda-se toda a
lei e também os profetas" (Mt 22,39-40).
4. Com a sua autoridade ensinou, ao mesmo tempo,
a unidade e o amor. Em dois preceitos compendiou a lei e todos os Profetas. Mas
que unidade observa, que amor pensa praticar aquele que, como doido pelo furor
da discórdia, divide a Igreja, destrói a fé, perturba a paz, aniquila a
caridade, profana o Sacramento?
XVI -
ESSAS ABERRAÇÕES FORAM PREDITAS
1. Este mal, ó irmãos fidelíssimos, já tinha
começado algum tempo atrás, mas agora, como triste calamidade, foi crescendo
dia a dia e a venenosa praga da heresia e dos cismas aparece e pulula sempre
mais. Assim deve acontecer no fim do mundo, como nos vaticina e nos avisa o
Espírito Santo por meio do Apóstolo: "Nos últimos dias, diz ele, chegarão
tempos difíceis e haverá homens que só buscam os próprios gostos, soberbos,
arrogantes, avarentos, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, desalmados,
sem afeição e sem respeito de compromisso, caluniadores, incontinentes,
violentos, sem nenhum amor ao bem, traidores, atrevidos, estupidamente altivos,
amando mais os prazeres que Deus, ostentando um verniz de religiosidade, mas
conculcando todo valor religioso. Deles são os que se insinuam nas casas e
conquistam mulherzinhas carregadas de pecados, que se deixam levar por várias
volúpias e se mostram sempre curiosos de saber, mas nunca chegam ao
conhecimento da verdade. E como Jamnes e Mambres fizeram resistência contra
Moisés, assim estes resistem à verdade. Mas não serão bem sucedidos, porque a
sua incapacidade será a todos manifesta, como aconteceu àqueles" (2Tim
3,1-9).
2. Tudo o que tinha sido preanunciado se está
cumprindo e, enquanto se aproxima o fim do mundo, tudo se realiza nas pessoas e
nos acontecimentos.
3. O adversário está solto. Cada vez mais, o
erro vai espalhando os seus enganos. A insensatez gera orgulho, arde a inveja,
a cobiça chega até à cegueira, a impiedade deprava, a soberba incha, a discórdia
exaspera, a ira enfurece.
Fonte: Agnus Dei
Fonte: Agnus Dei
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Pesquisa: Paulo Lelis

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