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O
Sacramento do Matrimônio - III
Dom Henrique Soares da
Costa, Bispo de Palmares (PE).
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O matrimônio – V
No artigo passado
estávamos refletindo sobre a indissolubilidade. Eu afirmava que o amor, por si
mesmo, tende a ser perene, eterno, duradouro... ou não seria amor, não seria
digno deste nome. Vimos que amar é, neste sentido, um verbo intransitivo..
Tanto que São Pedro Crisólogo, lá no longínquo século V, já afirmava com acuidade:
O amor se basta a si mesmo, justifica-se a si mesmo, de modo que amor porque
amo e amo para amar! Também afirmei que o amor do Vinícius de Moraes, “eterno
enquanto dure”, não é digno do nome de amor: é bem mais paixão que amor. Por
que digo isso? Vejamos!
O amor não se
fundamenta no sentimento, não se reduz a sentimento. O sentimento é cego, é
algo de irracional e quando alguém se guia unicamente por ele, torna-se cego,
age irracionalmente. Um amor que se fundamentasse no sentimento seria cego...
seria paixão, como uma pororoca: vem de repente, passa levando tudo,
destruindo, subvertendo e depressa se vai. A paixão é inconseqüente, fatal,
cega. E o amor? O amor não nasce de repente nem tampouco vai-se de repente. Não
existe amor à primeira vista, não existe amor fatal... Tudo isso é mito que o
mundo atual transformou numa monumental mentira, numa das maiores mentiras e
das mais vis armadilhas que esta humanidade sem juízo já inventou para sua
própria infelicidade! A amor não é paixão e amor também não é sentimento! Sei
que tudo isso parece um despropósito para o modo de pensar atual... mas, vamos
ver!
O sentimento
certamente é parte do amor, uma parte bela e importante: aquela empatia, aquela
atração, aquela sensação de que a outra pessoa nos completa... tudo isso é
campo propício para o nascimento e desenvolvimento do amor.... mas, ainda não é
o amor propriamente falando... E então, o que é o amor? Quando ele nasce? O
amor começa de verdade quando duas pessoas decidem, livremente, partilhar suas
vidas, abrir o coração e a existência uma para a outra. Eu posso dizer “eu te
amo” quando, depois de refletir, posso dizer, com plena consciência: “Eu te
escolho, eu quero participar de tua vida e desejo que você participe da minha
vida. Eu desejo que você participe de minha felicidade e eu quero partilhar da
sua felicidade!” O amor nasce, então de uma escolha livre, refletida, pesada,
pensada. Não é fatal, não é cego, não vem de repente – é bem diverso da paixão.
Pode até acontecer que alguém sinta algo de muito especial por uma outra
pessoa. Mas é necessário perguntar com coragem: essa pessoa serve para mim? Ela
é livre? Eu também sou? Seu modo de pensar, de ver a vida, seus valores, são os
meus? Conheço razoavelmente essa pessoa, com suas virtudes e defeitos? Só
depois de uma reflexão assim, madura, responsável, conseqüente, é que eu posso
dizer a alguém: Eu te escolho! Aí sim, também posso afirmar sem medo, de
verdade: Eu te amo! Este amor vai amadurecer no diálogo, na capacidade de
escutar o outro, de participar de seus sonhos, projetos, preocupações,
angústias... o amor vai ficando mais profundo com o tempo que um encontra para
o outro, com a capacidade de perder tempo um com o outro, com a capacidade de
admiração mútua. Aqui temos um ponto importante: o que mantém o amor vivo é a
admiração recíproca: enquanto um admirar o outro, enquanto um for motivo de
fascínio para o outro, o amor existirá! O amor pode e deve sempre ser plantado,
cultivado, cuidado com zelo. São João da Cruz dizia com muito acerto: “Onde não
há amor, semeia amor e colherás amor!” Semear amor, cultivar amor, de modo
responsável, maduro... Então, o amor envolve sentimento, livre escolha,
responsabilidade, compromisso. Se o amor se fundasse somente no sentimento,
então estaríamos perdidos, porque os sentimentos são inconstantes e ninguém
pode controlá-los. Com qualquer casal acontecem momentos de certo esfriamento
no sentimento... no entanto, se a fidelidade, a dedicação, o respeito,
permanecem, então o amor está presente, vivo... E o sentimento? Depois volta...
talvez mais tranqüilo, mais maduro, mais profundo. Então... é assim que se
constrói o amor... que nunca começa de repente nem termina de repente. Ninguém
diz, numa bela manhã: “A partir de hoje não mais te amo!” Se alguém disser isso,
é porque antes, muito antes começou a matar o amor, não ligando para o outro,
não parando para dialogar, deixando que os problemas fiquem sem solução, não
encontrando tempo para “curtir” a pessoa amada... Aqui está o grande problema
dos amantes de hoje: querem amor já pronto, amor enlatado, amor caído do céu,
amor já pronto para consumo (como as comidas enlatadas)... E nada é tão
artesanal quanto o amor, nada exige tanto tempo, investimento e paciência
quanto o amor.... Sem querer cair em clichês melosos, podemos recordar,
parafraseando, o dito de Exuréry: “Como não existem lojas de amigos, os homens
não têm mais amigos!”
A indissolubilidade é
uma aposta que Deus faz no coração humano. Deus continua crendo em nós, na
nossa capacidade de amar, de ser fiel ao compromisso assumido, ao sonho
sonhado! Ser fiel ao amor, construir dia após dia um relacionamento feito de
compromisso e delicadeza traz, como fruto bendito, a paz de coração, a paz
afetiva, a maturidade e equilíbrio na vida. Além do mais há os filhos, frutos
do relacionamento matrimonial: eles têm direito a um pai e uma mãe unidos,
harmoniosos e felizes, têm direito a dormirem na cama “do papai e da mamãe”,
entre os dois, no aconchego dos dois... é um direito fundamental de toda
criança, de toda pessoa humana: direito a um papai e uma mamãe!
A tristeza é que em
nome de uma liberdade imatura e irresponsável, que não passa de paixão e
afetividade não amadurecidade, com facilidade e leviandade destrói-se a
família, parte-se para a outra e tudo isso com o vago “direito a ser feliz”....
Como se a felicidade pudesse ser construída assim... Penso naquelas palavras do
Pe. Zezinho:
“Amor que é amor nunca
morre” - me disse um amigo.
Pra sempre eu guardei a lembrança do que ele falou
E vendo os problemas do mundo eu pensava comigo:
É gente que errou na procura e se decepcionou.
Pra sempre eu guardei a lembrança do que ele falou
E vendo os problemas do mundo eu pensava comigo:
É gente que errou na procura e se decepcionou.
E sempre que eu me
interrogava era a mesma resposta:
“Amor que é amor nunca morre” - eu tornava a dizer
E em noite sem nuvens me vi contemplando as estrelas
E ao vê-las brilhar novamente é que eu pude entender:
“Amor que é amor nunca morre” - eu tornava a dizer
E em noite sem nuvens me vi contemplando as estrelas
E ao vê-las brilhar novamente é que eu pude entender:
Amor que é amor nunca
morre, mas pode também suceder
Que à falta de quem o cultive ele fique pequeno e não chegue a crescer.
Amor que é amor nunca morre, mas pode este fato se dar:
Que as nuvens escuras do tempo por tempo sem fim não o deixem brilhar.
Que à falta de quem o cultive ele fique pequeno e não chegue a crescer.
Amor que é amor nunca morre, mas pode este fato se dar:
Que as nuvens escuras do tempo por tempo sem fim não o deixem brilhar.
“Amor que é amor nunca morre” - este amigo repete.
Concordo e não vou contestar que não tenha razão.
Mas penso também que este amor que hoje ganha as manchetes
É mais egoísmo que amor, é loucura é paixão.
Concordo e não vou contestar que não tenha razão.
Mas penso também que este amor que hoje ganha as manchetes
É mais egoísmo que amor, é loucura é paixão.
E sempre que eu vejo a ao redor esta facilidade
De gente que pede outra chance, outro amor, outro lar
Eu penso nas flores mirradas daquele canteiro
Que algum jardineiro esqueceu ou não quis cultivar.
De gente que pede outra chance, outro amor, outro lar
Eu penso nas flores mirradas daquele canteiro
Que algum jardineiro esqueceu ou não quis cultivar.
Bom... no próximo
número continuaremos. Até lá!
Fonte:
Dom
Henrique Soares da Costa. O Sacramento do Matrimônio - III. Disponível em <
http://domhenrique.com.br/index.php/sacramentos/matrimonio/200-o-sacramento-do-matrimonio-ii>
Desde 29 de Dezembro de 2008.

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