segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O Sacramento do Matrimônio - IV

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O Sacramento do Matrimônio - IV  
Dom Henrique Soares da Costa, Bispo de Palmares (PE).
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O matrimônio - VIII

No último artigo sobre o matrimônio, a propósito da indissolubilidade desse sacramento estávamos tratando da delicada questão dos chamados casais de segunda união, isto é, aqueles que após o fracasso de seu matrimônio, contraíram uma nova união. Vimos que a Igreja convida toda a comunidade de seus filhos a tratar com respeito, caridade e misericórdia os irmãos e irmãs que tenham falido em seu matrimônio e que vivam agora a realidade de uma segunda relação. Ainda deixamos claro que tal situação não é o ideal: a vontade do Senhor, seu sonho para o amor humano, é a indissolubilidade. No presente artigo vamos tocar uma questão complexa: concretamente, como nossas comunidades devem acolher tais casais? Como fica sua vida sacramental?

Vimos que na Exortação Familiaris Consortio, o Papa recomenda que a Igreja deve comportar-se em relação a tais casais com “espírito materno” (cf. FC 84). Então, é muito importante compreender que esses casais, embora não tenham recebido o sacramento do matrimônio, se freqüentam sinceramente a Igreja, é porque crêem no Senhor Jesus e desejam viver uma vida de comunhão com ele e com os irmãos. Eles devem ser incentivados na vida de oração, na busca do crescimento na virtude e na vida de caridade fraterna (cf. FC 84). Não se deve marginalizá-los! Devem ser acolhidos com amor e respeito nas nossas comunidades. Não se deve nunca pensar: “Ah, esses aí vivem em pecado!” Não é verdade! Tal pensamento não é segundo o Evangelho! Então, concretamente, os casais de segunda união podem e devem engajar-se nos vários setores e pastorais da Igreja. Se alguém se sentir incomodado com isso, o padre ou um laico (= leigo) mais maduro e experiente, deve fazer ver a essa pessoa que Jesus procederia assim. Não se trata de menosprezar o matrimônio (que sabemos ser indissolúvel), mas de ter respeito e misericórdia pelas pessoas a quem o Senhor nos deu por irmãos!

E os sacramentos da penitência (confissão) e da Eucaristia? Os casais de segunda união podem participar deles? A questão não é fácil. Atualmente a Igreja pede aos casais de segunda união que se abstenham de participar da comunhão eucarística e da confissão sacramental. Por quê? Porque a Igreja pensa que assim está deixando claro o quanto o casal sente ter falhado no sacramento do matrimônio e também mostrando à comunidade a importância da indissolubilidade do sacramento. Vejam bem: tais casais podem e devem participar da Missa, como também podem e devem, vez por outra, procurar um padre para fazer direção espiritual e aconselhar-se!

A Igreja poderia agir de outro modo? Poderia, se julgasse conveniente. É interessante, neste sentido, o costume das Igrejas do Oriente, que são católicas, mas separadas de Roma. Aí também se insiste na indissolubilidade do matrimônio, mas quando um matrimônio falha em tais Igrejas, por misericórdia, concede-se ao novo casal participar de todos os sacramentos. Faz-se, então, não um segundo casamento, mas sim uma oração penitencial, louvando a misericórdia de Deus para com aqueles que falharam e querem continuar no caminho do Senhor. É interessante que santos doutores do Oriente admitiam essa prática. Por exemplo, São João Crisóstomo chega a dizer: “É melhor romper um matrimônio que perder-se a si mesmo”. Ou seja: a indissolubilidade do matrimônio é um grande valor, que deve ser buscado com sinceridade e esforço, mas não é o bem, o valor maior: o maior bem é a salvação... e pode haver casos em que, falhando o matrimônio, as Igrejas do Oriente, para ajuda e salvação dos que erraram, admitem uma segunda união, cujo rito não é um novo sacramento do matrimônio, mas apenas uma oração implorando a misericórdia de Deus para aquele novo casal. É interessante que a Igreja católica sempre respeitou essa prática das Igrejas do Oriente. Pode ser que num futuro, também a Igreja do Ocidente (a Igreja católica) sinta-se impelida pelo Espírito Santo a adotar uma prática semelhante. Aliás, a Igreja, católica e apostólica, desde a antigüidade, sempre acreditou que tem o poder dado pelo Senhor de perdoar todos os pecados, incluindo até mesmo os três que na época mais antiga eram considerados os mais graves: a apostasia, o homicídio e o adultério. E entenda-se bem: naquela época, adultério era abandonar sua esposa ou esposo e unir-se a um outro cônjuge. Mesmo julgando um pecado grave, a Igreja dava o perdão aos que se arrependiam sinceramente e queriam viver com o novo cônjuge de modo cristão. Nada impede que, num futuro, a Igreja venha a adotar uma prática penitencial para os casados em segunda união e dar-lhes o perdão para que possam participar plenamente dos sacramentos. Afinal, a última finalidade da lei na Igreja é a salvação das almas (cf. Código de Direito Canônico, cân. 1752). É interessante saber que no Sínodo dos Bispos sobre a família uma enorme maioria de Bispos pediu que a Igreja comece a pensar se não seria recomendável adotar uma prática para os casais de segunda união como a das Igrejas do Oriente. Vejamos como o Senhor Jesus vai conduzir as coisas, pela força do seu Espírito.

O que ninguém pode fazer é decidir as coisas do seu jeito. Por exemplo, um padre dizer a alguém que se encontra numa união assim: “Comungue! Eu lhe dou autorização!” Nada disso! O padre não é dono da Igreja nem dos sacramentos. Além do mais ele não é senhor da consciência dos outros! O que o padre deve fazer é esclarecer bem a pessoa. Agora, se por algum motivo, aquele que vive em segunda união aproximar-se da comunhão, o padre, depois de explicar-lhe bem a posição atual da Igreja, caso não haja perigo de escândalo para a comunidade, deve respeitar a consciência do que veio comungar. A não ser por motivo de grave escândalo dos fiéis, ninguém tem o direito de negar a comunhão a um irmão. O Concílio Vaticano II afirma claramente que “a consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser” (cf. GS 16) e toda a Tradição da Igreja afirma o dever que temos de ser fiéis à nossa consciência, educando-a à luz do Evangelho. Interessantíssimo, nesta linha, é conhecer as diretrizes da Congregação para a Doutrina da Fé, emanadas em abril de 1973. a Congregação convidava os Bispos de cada diocese a aplicar, por um lado, as normas da Igreja e, por outro lado, investigar “cuidadosamente quem viva em união irregular; para a solução de tais casos apliquem, junto com outros instrumentos jurídicos, a acreditada prática eclesiástica do foro interno”. O que é esse foro interno? O respeito profundo pela consciência do fiel! Eis o que diz ainda a Congregação: “Pode-se permitir a esses casais a recepção dos sacramentos com duas condições, a saber: a de que se esforcem por viver de acordo com as exigências da doutrina moral cristã, e a de que recebam os sacramentos em uma igreja em que não sejam conhecidos”. Como traduzir tudo isso? Os pastores devem instruir os casais em segunda união sobre a disciplina geral da Igreja, que prefere que eles não comunguem. Se acham, em reta consciência diante de Deus, que devem comungar e têm uma vida reta (rezam, freqüentam a missa, são ativos na comunidade, educam cristãmente os filhos, são fiéis um ao outro...) e não causam escândalo na comunidade, não se deveria negar-lhes a comunhão.

Espero que tais elementos tenham esclarecido um pouco e mostrado o quanto a situação é complexa. Continuaremos no próximo número. Até lá!

Os Sacramentos

O matrimônio - VIII

A respeito do sacramento do matrimônio, já vimos que ele, como sinal da aliança de amor entre Cristo e a Igreja, possui três características irrenunciáveis: a fidelidade, a indissolubilidade e a fecundidade.

Nos artigos últimos tratamos do delicadíssimo tema da indissolubilidade do matrimônio, uma verdadeira graça de Deus, um ideal de amor, um caminho de felicidade e realização, segundo o sonho de Cristo. Mas, vimos também que por diversos motivos um matrimônio pode falir e, então, temos o dever de apoiar os irmãos e irmãs que atravessam esta experiência dolorosa e, sem arredar um milímetro do bem que é a indissolubilidade, ajudá-los a continuar firmes no caminho do Evangelho.

Agora, no artigo presente, vamos refletir um pouco sobre a terceira das características do matrimônio: a fecundidade.

Cristo, Esposo da Igreja, tornou fecunda sua esposa amada. Nós mesmos somos os filhos que a Mãe católica, a Igreja, gerou para o seu Esposo Jesus na pia batismal. Somos frutos desse amor fecundo! Pois bem, como o amor nupcial entre Cristo e a Igreja é fecundo, assim também o amor entre marido e esposa deve ser, necessariamente, aberto à vida. Não teria nenhum sentido um casamento que, de antemão, fosse fechado à possibilidade de filhos. Este casamento seria nulo! Os filhos significam tanta coisa numa relação conjugal! Significam, primeiramente, que aquele amor amadureceu, concretizou-se, fez-se vida, fez-se carne, fez-se gente. Que coisa! O casal, nos seus filhos, pode dizer: “nosso amor se fez vida, se fez carne, se fez gente!” Os filhos são, em certo sentido, a concretização do amor, sua materialização última, profunda e radical. Os filhos são como que o processo final da fusão do casal, o seu “ser uma só carne” mais profundo: eles nascem do amor carnal, concreto, material do casal (e isso é belo e abençoado por Deus) e misturam as feições do pai e da mãe, da família de um e de outra, de modo que, nos filhos, marido e mulher já não podem mais distinguir as feições de um e de outro, os traços dele dos traços dela. Nos filhos, o casal torna-se, para sempre e sem retorno, uma só carne. Eles são o fruto mais maduro do amor! Nos filhos, os olhares dos dois se encontram não mais um no outro, mas na preocupação com aqueles que são fruto desse amor. Nos filhos, marido e mulher aprendem a se deixar a se esquecerem de si mesmos, para preocuparem-se com aqueles que nasceram do seu amor. Nos filhos, finalmente, o casal torna-se participante de modo especialíssimo da obra criadora de Deus.

Por tudo isso, o casal cristão não pode, de modo premeditado refutar a idéia dos filhos no casamento: ele deve estar aberto a tantos filhos quantos possam criar com responsabilidade! Compete ao casal decidir quantos filhos deverá ter, desde que seja generoso e assuma os filhos de modo responsável. Modo responsável, quer dizer, dando escola, saúde, educação religiosa e assistência afetiva. Uma coisa é certa: seria nulo o casamento de um casal que, de modo premeditado, não quisesse filhos, fechando-se para o dom e a aventura da vida.

Um aspecto importante ainda é o da educação religiosa dos filhos. Os pais assumem, diante de Deus, o dever de fazer de seus filhos cristãos de verdade, pela palavra e pelo exemplo. Falar de Deus aos filhos, ensinar-lhes a rezar, despertar neles o amor à Igreja católica, velar para que tenham o hábito da missa dominical... tudo isso é dever dos pais; eles são os primeiros catequistas e o lar, a família, é a primeira Igreja, a Igreja doméstica!

Diante disso tudo, o grande desafio é formar os casais jovens nesse caminho! Que desafio!

Nossos casais atuais – velhos e novos – têm consciência dessa responsabilidade e dessa possibilidade tão bela, que é a geração e educação dos filhos?

Mais uma observação: um casal que não possa ter filhos pode casar-se. O casamento não é primeiramente para a procriação, mas, antes de tudo, paras a celebração do amor do casal.

Bom, continuaremos no próximo artigo, ainda sobre o matrimônio e seu rito litúrgico. Até lá!

Fonte:
Dom Henrique Soares da Costa. O Sacramento do Matrimônio - IV. Disponível em < http://domhenrique.com.br/index.php/sacramentos/matrimonio/199-o-sacramento-do-matrimonio-iii> Desde 29 de Dezembro de 2008.

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